Bilhete premiado do imposto zero. Quem ganha e quem perde


A isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, aprovada pela Câmara, age como um verdadeiro ajuste de microscópio nas contas domésticas, para muitos, significa fôlego imediato; para outros, uma vantagem simbólica que não resolve gargalos estruturais. A medida promete um alívio direto no contracheque, mas revela limites claros quando se examina quem efetivamente beneficia e onde as lacunas permanecem.

Na ponta positiva, a maior parte dos beneficiados é composta por assalariados formais e aposentados de baixa e média renda que, até ontem, tinham descontos significativos que corroíam o salário disponível. Para trabalhadores do comércio, serviços e pequenos prestadores autônomos que já declaravam imposto, a isenção tende a ampliar o consumo imediato, reduzindo a pressão sobre orçamento familiar e, em teoria, estimulando vendas locais em curto prazo. A expectativa declarada pelo governo e por partidos aliados é que o efeito multiplicador fortaleça micro e pequenos negócios e alivie a sensação de aperto vivida por milhões de famílias.

Quem perde, porém, não é um grupo homogêneo. Pequenos detentores de rendimentos variáveis, profissionais liberais com rendimento irregular e cidadãos residentes em estados com alta dependência de repasses federais podem enfrentar efeitos colaterais. Com a queda na arrecadação federal prevista, há risco de diminuição de fundos de contrapartida para programas estaduais e municipais que atendem justamente os mais vulneráveis. Tecnocratas alertam que, se as compensações propostas não vingarem, obras e repasses sociais poderão sofrer estrangulamento nos próximos meses.

O desenho da isenção também cria zonas cinzentas. Famílias com dois salários modestos podem não ver ganho proporcional quando a isenção é aplicada individualmente; por outro lado, arranjos de renda informal continuam fora do alcance da medida, preservando desigualdades de fato. Além disso, medidas compensatórias previstas no texto discutido na Câmara, como ajustes em deduções e tributos sobre renda mais alta, ainda demandam articulação no Senado para evitar que a economia penda para um ajuste fiscal abrupto.

Politicamente, a aprovação envia dois sinais claros, por um lado, a base governista conquistou um resultado palpável que pode ser comunicado como resultado de governo; por outro, abre espaço para oposição explorar possíveis perdas fiscais e questionar prioridades orçamentárias. A economia real, contudo, dependerá da calendarização das compensações e da resposta dos estados.

No plano prático, o cidadão comum precisa de respostas objetivas, quanto vai ganhar no bolso e quando. A promessa oficial é de impacto já nas próximas declarações e na folha, mas a execução exige regulamentação e integração com a Receita Federal. Para prefeitos e governadores, a hora é de recalcular repasses e projetar cenários de curto prazo.

A foto final é mista, há vencedores concretos entre trabalhadores formais de baixa e média renda e aposentados que verão aumento no rendimento disponível; há também setores vulneráveis à retração de recursos públicos que podem perder com a falta de compensação imediata. A isenção é um passo político e social relevante, mas sua eficácia real ficará refém das linhas de compensação que venham do Senado e das prioridades que Brasília decidir preservar.

Nenhum comentário: