O antipetismo, que serve a
reacionários assumidos e enrustidos para votar na extrema-direita, não passa de
uma falsa questão.
Independentemente do que possa
ocorrer no próximo dia 28 – e o pior é sempre uma possibilidade – a tragédia
política brasileira já tem contornos definidos com a óbvia inclinação da grande
massa pelo discurso da extrema-direita. A voz do último dia 7 foi evidente
demais, e grave demais, para não ser entendida.
O preço da vitória do desvario
antipetista, porém, será a destruição da democracia, tão dolorosamente
recuperada após 21 anos de ditadura, e tão arduamente sustentada nesses 30 anos
da Constituição de 1988. O cantochão antipetista, assim, reproduz o papel
cumprido pelo anticomunismo, que preparou o terreno para o golpe de 1964.
Naquele então como agora, como também em 1954, a direita, com o inefável e
sempre irresponsável concurso da grande mídia, cuidou de desmoralizar a
política e desfraldou a bandeira do combate à corrupção.
O antipetismo, que serve a
reacionários assumidos e a reacionários enrustidos para votar na
extrema-direita, não passa, no frigir dos ovos, de uma falsa questão, pura aparência,
construída para esconder o essencial.
Até aqui, nada de novo sob o
Sol.
Assim, sob o falso pretexto de
defesa das instituições e da ordem, da ‘moralização dos costumes’, do combate à
corrupção e à ‘subversão comunista’ (que
só existia no marketing de suas estratégias de tomada do poder), o golpe
militar vitorioso em 1964 rasgou a Constituição, mutilou o Congresso, reprimiu
a vida política, cassou mandatos eletivos, impôs a censura desbragada (os
jornalões andam esquecidos desses tempos…) e a repressão fez-se a prioridade de nossas forças armadas,
legando-nos o conhecido rol de presos, torturados e ‘desaparecidos’.
O retorno desses tempos,
agravados, está na nossa esquina, dividindo nossa gente como se fôssemos
servos, croatas e bósnios, à beira do fratricídio. A irresponsabilidade nos
acena com a partidarização dos militares – que até há pouco pareciam
conformados à ordem constitucional e aos mandamentos de seu Código de Conduta.
A mobilização dos púlpitos
sugere uma guerra religiosa, e pouco nos faltará, amanhã, para convivermos com
milícias legalizadas, fazendo aqui, como na Colômbia de anos recentes, o jogo
mais ímpio da guerra suja.
Como no alvorecer do nazismo,
multiplicam-se em todo o País os casos de agressão física a adversários do
capitão, estimulados pelo discurso fascista, que incentiva o ódio, o
desrespeito ao outro, ao diferente, que não aceita o debate e repele a razão.
Desta feita, porém, poderemos
ter a pior das ditaduras, aquela que chega ao poder nos ombros de um processo
eleitoral.
É disto que se trata.
Só não a veem, a ameaça, os
cegos e os suicidas, como a chamada direita civilizada (admitamos sua
existência), a centro-direita e o dito centro, que animaram, cevaram,
promoveram o protofascismo supondo que com esse aliado estariam derrotando a
centro-esquerda, quando, na verdade, estavam cavando a própria sepultura em
cova rasa.
Burra, inculta, a direita
brasileira, incapaz de aprender com a História, que desconhece, repete, quase
um século passado, a sina dos liberais italianos que apoiaram Mussolini na
ilusão de que que o futuro duce massacraria apenas os comunistas, deixando-lhes
livre a estrada do poder. O fascismo, como é sabido, consumiu a todos.
Ignorante, a direita
brasileira repete a burrice dos comunistas alemães, que viram na ascensão do
fuher a possibilidade de varrer do mapa a socialdemocracia, deixando-lhes o
caminho livre para a tomada do poder. Ao fim foram se encontrar, comunistas e
socialdemocratas, no exílio, nos campos de concentração e nos fornos de
cremação.
A direita brasileira de hoje
também repete seus erros de outrora. A derrubada do governo Jango, ao contrário
do esperado e prometido, fechou as portas ao poder civil, e Carlos Lacerda, seu
grande líder, se viu com os direitos políticos cassados pelo regime que ajudara
a instalar-se, exatamente quando esperava conquistar a presidência da
República.
Igualmente, Juscelino
Kubitscheck quedou-se mudo diante da deposição de Jango, fiou-se na promessa de
Castelo de preservá-lo e de garantir as eleições de 65 que esperava concorrer e
vencer. Deu no que deu. Pouco tempo passado estavam juntos Lacerda e Juscelino,
até então arqui-inimigos, unidos no infortúnio. Cassados, expulsos da política
pelos militares que haviam ajudado a tomar o poder.
Na política ninguém é
inocente, todos somos responsáveis pelo que fazemos ou deixamos de fazer.
O capitão não é fruto de
geração espontânea. Trata-se, ao contrário, de construção meticulosa, bem
pensada, bem planejada, de cuja execução participaram a arcaica classe
dominante brasileira, o ‘mercado’ e seus aparelhos, as muitas FIESPs, a grande
mídia, o poder judiciário, e suas adjacências, o ministério público e as seitas
neopentecostais. Além desses, repetindo 1964, a ‘inteligência’ militar e o
ativismo de generais, oficiais e praças, fazendo de muitos quartéis algo
similar a um comitê de campanha, como em verdadeiras células parece
transformadas muitas oficinas de procuradores e juízes de direito, jogando às
favas as antigas aparências de isenção.
A propósito, o capitão
realizou recentemente, nas dependências do Batalhão de operações especiais
(BOPE), da PM, do Rio de Janeiro, um comício eleitoral, o que é expressamente
proibido por lei. Seria um fato insólito, não estivesse a justiça eleitoral
engajada em sua campanha.
Assim se explica como um
candidato sem partido e sem tempo de televisão tem sua campanha estruturada
nacionalmente.
O fato objetivo é que, para
destruir Lula (e o que ele representa), a direita vendeu a alma ao diabo e
gerou um monstro que, podendo impor uma derrota à centro-esquerda brasileira,
devorará da mesma forma a direita, e os simulacros de liberalismo e centro.
A fera insaciável só vê
crescer sua fome enquanto devora a todos que encontra à sua frente, a começar
pelos seus criadores. Dizimados nessas eleições, os partidos de direita (o
‘Centrão’) e a socialdemocracia tucana cedem seus espaços para a legenda do capitão.
É evidente que esse monstro
não foi construído nas nuvens, repousa na realidade brasileira e nos erros
cometidos à direita e à esquerda.
Nosso subdesenvolvimento
político não nos permite a existência, seja de uma centro-direita consequente,
seja de uma quase-esquerda consciente de seu papel histórico. Nossas organizações
e líderes progressistas e de centro-esquerda chafurdam no mesmo charco em que
se suicida o centro.
O PDT anuncia ‘apoio crítico’
a Fernando Haddad e seus candidatos que disputam governos estaduais no segundo
turno apoiam o capitão fascista (fazendo o velho Brizola, onde quer que esteja,
contorcer-se em agonia). Ciro Gomes, magoado com Lula e o PT, parte em doce
vilegiatura pela Europa. Quando voltar, verá o que foi feito do país.
O PSB, que defendeu o
impeachment e integrou o governo Temer, anuncia apoio pleno a Haddad, mas de
seus três candidatos no segundo turno a governos estaduais só o bravo senador
João Alberto Capiberibe apoia o candidato da democracia, no seu pequenino Amapá.
Assim, nossa pobreza política
– o subdesenvolvimento é uma praga que não poupa ninguém – não permitiu o
óbvio, que seria a formação de uma grande frente democrática, partidária e
popular, para conjurar a ameaça fascista, como fizeram, por exemplo, os franceses
para bloquear os Le Pen. Faltam-nos, como sempre, partidos e biografias, e como
fazer História quando somos tão carentes de estadistas?
Essa coisa amorfa que a
imprensa chama de centro, mais os chamados liberais de carteirinha, o tucanato,
os conservadores não fascistas, reduzem nossa tragédia a uma discussão em torno
do PT e do lulismo. É a especiosa forma de fugir da questão central: a opção, e
todos estamos optando, entre democracia e fascismo.
Nas circunstâncias, o silêncio
– de Alckmin, de Marina e de outros mais ou menos cotados – equivale a votar no
capitão, ou seja, a dar aval a um projeto assumidamente totalitário, comandado
pelo que há de mais primário e boçal na política brasileira, o candidato e sua
coorte.
O ex-presidente que nos recomendou
esquecer o que escreveu ao tempo de sociólogo enrosca-se em seus amuos
antipetistas, em seus ressentimentos, e em suas queixas nada consegue ver ou
deslumbrar para além de seu imenso umbigo. Valendo-se da tática dominante,
também ele reduz a crise do país à cediça disputa entre PT e não-PT, e assim se
vê dispensado de definir-se (“Cobram de mim para tomar posições. Mas eu digo:
por quê?”). Aliás, ele se define, pois, silenciando, está objetivamente optando
pelo capitão.
O ex-presidente sabe, como
igualmente sabe Ciro Gomes, que a disjuntiva PT-antiPT é uma falsa questão,
pois, sem absolver o PT, o que está em jogo é o futuro do país, bem maior do
que essa querela e bem maior que o destino pessoal de ambos. Omitindo-se diante
da contradição democracia versus ditadura, objetivamente estão levando mais
água para o moinho dos fascistas. E assim se definem.
Circula nas redes sociais uma
pequena história que ilustra o suicídio do centro brasileiro: “A formiga, com raiva da barata, votou no
inseticida, e todo mundo morreu. Inclusive o grilo, que se absteve do voto”.
Marielle – Quando as
‘autoridades’ policiais do Rio de Janeiro, interventoras ou domésticas,
anunciarão os nomes dos mandantes e executantes do assassinato da vereadora
Marielle Franco?
Estratégia – Espera-se que o
PT explique a estratégia adotada para as eleições estaduais em São Paulo e Rio
de Janeiro.
Roberto Amaral - escritor e
ex-ministro de Ciência e Tecnologia