Quatro anos se passaram desde o anúncio conjunto, em
setembro de 2011, pelo governo de Pernambuco e pelo grupo Bertin (grupo
paulista com atividades no segmento da agroindústria) da construção da “maior
termoelétrica do mundo”. E a mais suja também. Com uma potência instalada de
1.438 megawatts (MW), consumindo óleo combustível, caso tivesse sido construída
despejaria na atmosfera 20.000 toneladas diárias de CO2. Foi a pressão popular
aliada e articulada com políticos da oposição (na época) que barraram esta
imensa irresponsabilidade.
Neste final de setembro de 2015, o governo de Pernambuco com
toda pompa anuncia juntamente com o grupo Bolognesi, criado em 1975 com atuação
no ramo imobiliário no Rio Grande do Sul, a instalação no Complexo Industrial
Portuário de Suape (CIPS) de uma usina termelétrica (UTE) de potência instalada
de 1.238 MW a gás natural liquefeito (GNL). Qualquer semelhança entre estes
dois episódios não é mera coincidência, e sim uma visão equivocada de que a
natureza e a saúde das pessoas pouco importa, mas acima de tudo os “negócios”.
Em dezembro de 2014, o grupo gaúcho da Bolognesi Energia
venceu um leilão (A-5) realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) para a viabilização de duas usinas térmicas. Uma no Rio Grande do Sul,
e outra em Pernambuco junto ao Porto de Suape. As duas tiveram geração futura
contratada, cuja previsão para começar a entregar energia no sistema é janeiro
de 2019.
O projeto no Complexo Industrial e Portuário de Suape prevê
a implantação de uma UTE a GNL importado e um terminal de regaseificação, com
investimentos de R$ 3,5 bilhões. A UTE cujo nome é Novo Tempo, segundo o
empreendedor será instalada em um terreno de 15,7 hectares, adquirido à estatal
Suape por R$ 11,9 milhões. Para viabilizar o fornecimento de gás, a Bolognesi
projetou um terminal de regaseificação com capacidade de 14 milhões de metros
cúbicos por dia, e firmou contratos para a compra do gás fora do Brasil
(fornecedor do Golfo do México), montando uma estrutura sem depender da Petrobrás,
mas se sujeitando as variações e instabilidades de preços e fornecimento do
mercado internacional.
O Grupo Bolognesi anunciou a contratação de um consórcio
formado pelas empresas, a espanhola de construção pesada Duro Felguera e a
fornecedora de equipamentos General Electric (GE), para a construção das duas
unidades. O contrato foi fechado na modalidade turn-key (chave na mão, em
tradução livre). Isso significa que o consórcio entrega tudo pronto, incluindo
engenharia, suprimento, construção, comissionamento e testes de desempenho. As
turbinas a gás da GE serão da linha GE 7HA com potência máxima unitária de 337
MW, anunciadas como as maiores e mais eficientes do mercado (chegam a valores
próximos de 60% de rendimento). Nesta usina de ciclo combinado, que usa três
turbinas a gás e uma turbina a vapor, gerando energia elétrica a partir da
queima do mesmo combustível, o resfriamento do equipamento é feito a ar.
Esta usina vai consumir 5,5 a 6 milhões de m3/dia de gás,
que serão fornecidos por um terminal de regaseificação de GNL, a ser implantado
também pela Bolognesi, que contratou a Excelerate Energy, para operação do
terminal. Embarcações transportarão o gás em estado líquido (ocupam 600 vezes
menos volume) até um píer a ser construído no porto de Suape. Ali, o
combustível será convertido ao estado gasoso e enviado por tubulações à usina
para ser queimado e gerar energia.
Além do aspecto econômico influenciado pelo custo do
combustível, do transporte e pelo processo de conversão do gás, a
imprevisibilidade do mercado internacional poderá refletir no preço da energia
produzida. Ainda mais que existem questões técnicas que devem ser discutidas e
estudadas antes da
concessão da licença de instalação. Todavia, conhecendo o
grau de subordinação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) às
determinações do governo, tais cuidados necessários e imprescindíveis não serão
tomados, e espera-se para breve a prometida concessão da licença.
O maior impacto ambiental produzido pela termoelétrica são
os gases emitidos, muitos deles de efeito estufa. São também produzidos óxidos
e dióxidos de enxofre, óxidos de nitrogênio, monóxido e dióxido de carbono,
outros gases e particulados. Também existe a geração de hidrocarbonetos. Os
óxidos de nitrogênio são formadores de ozônio de baixa altitude, prejudiciais à
saúde. A poluição causa problemas respiratórios, como infecções dos brônquios e
doenças pulmonares. Os gases produzidos são vários, muitos deles com emissão
amplamente combatida atualmente como o dióxido e monóxido de carbono. Segundo a
Agência Internacional de Energia (1994) para cada tonelada equivalente de
petróleo (tep) de gás natural consumido são produzidos 2,12 t CO2. Com um
consumo previsto de 5,5 a 6 milhões de m3/dia de gás, a usina despejara na
atmosfera diariamente em torno de 5 a 6 mil toneladas de CO2 (180 mil toneladas
/mês, 2 milhões toneladas/ano), além de outros gases extremamente danosos a
saúde humana. Essas informações são de suma importância quando relacionadas a
estudos das áreas médicas, que têm revelado que o óxido nítrico (NO) está na
base de diversas patologias humanas, tais como, impotência masculina, diabetes,
supressão da imunidade, hipertensão, câncer, processos alérgicos e
inflamatórios e problemas cardíacos, entre outros.
A este anúncio soma-se outras termelétricas a combustíveis
fósseis, já funcionando em Pernambuco, hoje polo de geração de energia suja. A Termope
com 520 MW a gás natural (funcionando desde 2004), Suape II de 380 MW a óleo
combustível (funcionando desde 2013), mais a termelétrica a óleo diesel
Termomanaus e Pau Ferro I construídas na Área de Preservação Ambiental
Aldeia-Beberibe com 240 MW (576 motores instalados, funcionando desde 2009).
Tudo isso, sem contar com a termelétrica prevista pela Petrobrás que atenderá a
demanda da Refinaria Abreu e Lima, anunciada com uma potência de 200 MW.
Para confundir a população, o governo anuncia Pernambuco
como polo de “energia limpa” com instalações de parques eólicos e solares, e
que atingirão nos próximos anos uma potência instalada de 800 MW. Mas, se
levarmos em conta a soma das potências destes parques já instalados e
previstos, veremos que são inferiores a esta única usina suja a gás anunciada,
cuja capacidade é de 1.238 MW. Agora, levando em conta também as usinas
termelétricas já existentes, o potencia total de energia suja é quatro vezes
superior do que as usinas eólicas e solares. Por sua vez, tais usinas,
incorretamente chamadas de “limpas” já apresentam inúmeros problemas
socioambientais.
O que com certeza se pode afirmar é que hoje, em Pernambuco,
a geração de energia é a principal fonte de violações de direitos e de
injustiças ambientais, pois não respeita o meio ambiente e nem a saúde das
pessoas. Decisões autocráticas, sem transparência, sem participação da
sociedade, com um órgão ambiental submisso é a marca de um governo que um dia
propôs um movimento denominado “Nova Política”. De novo não tem nada.
Heitor Scalambrini Costa - Professor da Universidade Federal
de Pernambuco.