Querida Vera Magalhães. Eu li seu artigo de hoje, no jornal
O Globo. Penso que você está expondo, honestamente, sua preocupação com o
imobilismo da elite econômica diante do governo genocida e autoritário de
Bolsonaro. A turma da Faria Lima, como você a chama, parece não ter
sensibilidade alguma diante dos números de mortos e da queda do atual
presidente nas pesquisas de opinião. E aí você tenta explicar para o mercado
que retirar Bolsonaro seria melhor para a democracia, para a vida de todos nós
e acusa-os de covardia. É compreensível e razoável sua indignação moral como
jornalista e cidadã, ainda que você tenha sido negligente quando os avisos
foram dados de que Bolsonaro seria uma tragédia para a ordem liberal
democrática. De igual forma, você não percebeu que a derrubada de Dilma Roussef
— agora já entendeu que não foi por pedaladas fiscais? — era só o começo da
erosão do Estado democrático de direito que nasceu com a Constituição de 1988.
Mas tudo bem, não quero ficar preso ao retrovisor. Você errou e eu erro também,
né? Permita-me sugerir uma explicação simples, mas que considero profunda,
radical, posto que ela tenta desvendar os mecanismos latentes sem ficar presa
ao que é manifesto e visível. É preciso olhar para as estruturas se não
queremos ficar ingenuamente patinando sobre os dados de superfície. Não é coisa
fácil, mas proponho que pense o seguinte. Todas as democracias eleitorais (você
pode chamar de poliarquias, oligarquias eleitorais, democracia liberal, como
quiser) são estruturas jurídico-políticas que administram as demandas sociais
conflitantes numa sociedade de mercado (não vou te aporrinhar com sociedade de
classes, sei que você considera esses termos barrocos demais). Essa gestão do
político, pelo Estado, que chamamos de democracias eleitorais, não estão na
posição de árbitro desinteressado na partida. Ela não paira acima dos conflitos
sociais concretos. Em outras palavras, nas democracias eleitorais encontramos
outro poder que se utiliza dos seus mecanismos, reforça-os quando necessário ou
golpeia-os quando se faz urgente. Este outro poder são as diversas frações da
burguesia, perdoe-me, das elites econômicas (setores financeiros, comercial,
industrial e agronegócio). São essas elites econômicas, querida Vera, que em
última instância sustentam ou não os governos nas democracias eleitorais. E as
Forças Armadas são os seus braços repressivos, os cães usados em situações
emergenciais, e os chamo de cães sem querer ofender. É apenas uma metáfora
política. Você deve estar se questionando. E os políticos? E o Congresso? Sim,
os políticos existem, mas eles não formam uma classe, não são alienígenas
dentro do conflito social existente. Sei que é comum no jornalismo falar em
classe política, mas na verdade, os políticos são vinculados concretamente a estes
setores sociais em conflito na sociedade de mercado. Em outras palavras, os
políticos não representam a si mesmos, suas consciências livres e atomizadas,
mas sim os interesses sociais e econômicos que o elegeram e o sustentam lá no
Parlamento, seus vínculos orgânicos com o social. Percebe isso, Vera? Não por
acaso, dizem os especialistas, quase 90% do Congresso Nacional é formado por
empresários ou tem com estes ligações íntimas de vassalagem. Eles não
representam o povo, mas a FIESP, CNI, FEBRABAN, CNA (agronegócio) etc. É por
isso que a turma da “Faria Lima” não irá, neste momento, derrubar Bolsonaro.
Eles avaliam que o beócio mata, mas está garantindo lucros maravilhosos para os
bancos, para os donos do capital. Não vou colocar os dados aqui porque você,
como boa jornalista, poderá levantá-los com facilidade. É verdade que a pequena
burguesia (perdoe-me o jargão mofado, leia aqui classe média tradicional) anda
desesperada. Reduziu a grana e suas médias e pequenas empresas estão falindo ou
faliram. E nem podem ir para os EUA descansar. É chato viver aqui o tempo todo.
Também é verdade que a maioria dos jornalistas imploram todos os dias, através
da grande mídia, que Bolsonaro seja afastado. Você questionou os senhores que
assistem covardemente crimes, mentiras e autoritarismos da turma do Alvorada e
nada fazem. Só que isso não é possível, pelo menos, por enquanto. Preste
atenção.