Do Site Folha Sertaneja. |
Várias são as lembranças do
tempo em que, jovem, eu tinha que pular o muro para ir as festas do Clube
Operário em Paulo Afonso na Bahia. Minha família morava na Vila Poty. Ela tinha
este nome porque boa parte das casas naquela época eram feitas de restos de
sacos do cimento desta marca. Que eram usados na construção das usinas hidrelétricas
na cidade. Isto nos anos, 50.
Então, você que só ouviu falar
antes do Muro de Berlim na Alemanha, saiba que no Brasil teve uma cidade que
era dividida por um Muro. Esta cidade era Paulo Afonso que fica no sertão da
Bahia, também considerada área de segurança nacional, só veio ter eleição em
1985, após a abertura democrática pós golpe militar de 64.
Para quem morava na chamada
Vila Operária de propriedade da empresa Chesf, podia passar pelas três guaritas
que tinham sem que precisassem mostrar qualquer documento. Mas para nós, os
conhecidos “cata ossos” e que morávamos na área mais pobre da cidade. Local
onde ficaram as famílias que não conseguiram trabalho e os que vieram aventurar
montando comércios de todos os tipos, todos tinham que se identifica, dizer
para onde iam, o que iriam fazer e caso o guarda não aceitasse a sua
informação, você era barrado de entrar.
Acervo da Chesf |
Em lembro de um dia. Era umas
13h. Cheguei na guarita do meio, que ficava no início da Rua “D”. Eu estava
acompanhando de um amigo. Íamos mesmo era tomar banho no Balneário, mas tínhamos
que inventar uma mentira qualquer de visita a um conhecido. Parado enquanto o
guarda ouvia a história, eu vi um cartaz enorme na parede onde se lia, “Porque
Cajá foi preso”. Perguntei que era Cajá e o guarda disse, “um subversivo”.
Confesso que não sabia o que significava, mas naquele momento me pareceu que a
pessoa não tinha feito na de errado. Anos depois soube toda a história do
personagem e sua luta em Recife contra a ditadura.
Essa divisão imposta pela
Chesf, primeiramente feita de arame farpado, depois recebeu de cimento e pedras
só veio abaixo nos anos 80. A empresa, com o consentimento do governo federal,
criou uma sociedade dividida ao meio. Uma que eram seus funcionários que viviam
uma falsa liberdade, pois viviam limitados a área cercada e outra que vivia
restrita, mas livre. Podiam circular por todos os lugares e só eram impedidos
de ter acesso ao acampamento.
Foto da Internet. |
Esta sociedade criou
inimizades entre os jovens da época que muitas vezes marcaram brigas entre
grupos de um lado de outro para mostrar que eram os “mais fortes”. Elas
aconteciam em sistema de revezamento. Aconteciam uma no acampamento, em local
escolhido e fora do alcance da guarda e a outra na Vila Poty, quase sempre era
a Praça Libanesa a escolhida para o tira teima de porrada. Foi a partir daí que
ficou conhecido o termo, “te pego na Poty”, para intimidar qualquer pessoa.
Hoje Paulo Afonso não tem mais
o muro, mas restam pedaços dele ainda no local. Inconscientemente, a população
construiu casas em frente ao mesmo e deixaram intactos pedaços da história. Do
tempo em que um mesmo povo foi dividido ao meio. Cada um com sua narrativa e seus
traumas. Mas, mesmo que demore muito, a liberdade sempre vem.
Um comentário:
Primeiro, Brasil c/ z, nem de brincadeira, pois pode pegar e a gente se acostumar c/ a condição de colono de americano. Cruz credo!
Quanto à história, muito significativa p/nos alertar sobre o perigo das ditaduras e seu caráter odiento, de destruição e de atraso.
Viva a Vila Poty!
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