Esse trem ilusão. (Poe Emiliano José)


Na infância passei por Minas, e lá se diz trem para tudo: trem bão, e trem ruim. Pois é, tem um trem que me incomoda: é essa mania de lamentar o comportamento da nossa mídia. Cedo, muito cedo, desde que me joguei na instigante, aventureira atividade do jornalismo, que compreendi a natureza dos meios de comunicação brasileiros, cujo mérito ninguém pode negar: eles não variam, seguem uma trilha e dela não se apartam, desde sempre. São porta-vozes da Casa Grande, intérpretes dos poderosos. Melhor: integram as classes dominantes, fazem com elas um bloco compacto. Claro, e me preparo para ressalvas: esse comportamento pode piorar, e tem piorado, dirá um ou outro tão cético quanto eu. Cético, não. Pessimista à Gramsci. O buraco é fundo, e o fundo do poço ainda está longe.
Não me assombra como a mídia tem agido porque nunca foi diferente. Pode haver gradações, há momentos aqui e acolá em que ela faz concessões ao jornalismo, raros. Trabalhei no Estadão, e pude assistir momentos de dignidade, sem que o jornal deixasse de lado sua posição conservadora. Hoje, todos os jornalões perderam inteiramente qualquer traço de dignidade, ao menos se pensamos naquele jornalismo liberal, voltado à verdade, mitigada que fosse, que procurasse contemplar os vários lados de um fato. Ao menos havia aqueles casos do chamado acesso disruptivo – um acontecimento, por tão forte, chegava aos meios de comunicação, constrangendo-os a não ignorá-lo.
Besteira. Hoje a nossa mídia não está nem aí pra isso. Às favas, os escrúpulos. Às favas, aquelas histórias de critérios de noticiabilidade. Os acontecimentos não têm força por si. Somos nós, ela, que decidimos o que é e o que não é notícia – pensa assim, age assim. Tudo depende de seus interesse econômicos,  – se quiserem, e é sempre bom dar nome aos bois, de seus interesses de classe, que Marx ainda está entre nós. E as necessidades econômicas se manifestam na política, é, mídia e política nunca estiveram apartadas, se manifestam num programa político. Ela age, outra vez que ninguém se iluda, como partido político, outra vez à Gramsci, para não me envolver com autores mais recentes.
Por Emiliano José.
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