O jornalismo na linha de frente da democracia

“A gente ter conseguido manter a Pública por 13 anos já é uma grande vitória, já é algo a ser celebrado. [...] Faz parte da Pública sempre estar refletindo sobre o contexto social, político e tecnológico de como o jornalismo está chegando nas pessoas. Isso é uma conversa constante. Então esse ano, para esse evento, a gente resolveu convidar vocês para fazer parte dessa reflexão”, a fala é de Natalia Viana, co-fundadora da Agência Pública, na abertura do evento “Pública 13 anos: O jornalismo na linha de frente da democracia”, que realizamos na última quarta-feira, 13, no Tucarena, em São Paulo.

A Natalia mediou a mesa "Desinformação e PopulismoDigital", que contou com a presença da antropóloga Letícia Cesarino e da pesquisadora e professora da FGV, Nina Santos. A conversa abordou, dentre outras questões, como grupos extremistas se informam através de suas bolhas e que estratégias podem ser usadas para abrir caminho para o jornalismo de qualidade, como o da Pública.

Para Letícia Cesarino, o ecossistema extremista se alterou bastante com a saída de Bolsonaro do poder, “só ele estar na presidência já dava uma força para os grupos”. Ela explicou que o ex-presidente conseguiu mobilizar seu público tanto pelo aspecto da comunicação como do financeiro. “Não tinha como a mídia não cobrir suas falas, ele centralizava a economia da atenção e hoje não tem esse controle". Além, também, da estrutura que a extrema-direita tinha quando estava no poder e da possibilidade de usar os recursos do Estado ao seu benefício. “É uma força política que tem muito financiamento, tem muito dinheiro”, explicou a antropóloga.

Seguindo a conversa, Nina Santos explicou que a desinformação tem um efeito a longo prazo, visto que ela se sedimenta e constrói uma percepção de mundo enviesada ou completamente falsa, a depender do contexto. “O combate a esse ecossistema passa sim por desmentir coisas factuais específicas, e a gente não pode abrir mão disso, de ter a informação factual correta, mas passa também pela discussão de como é que a gente constrói uma visão de mundo compartilhada, baseada minimamente em linguagens comuns”, reitera.

Também convidamos a repórter Juliana Dal Piva e a jornalista e pesquisadora Fabiana Moraes para responderem à questão: “Como cobrir ogoverno de forma equilibrada?”. A conversa foi mediada por nosso repórter Rubens Valente.

Para Fabiana Moraes, “equilíbrio é uma palavra em disputa”, ou seja, é uma palavra política e com vários significados. Fabiana, que é parte de nosso conselho consultivo, frisou a importância de diferenciar a imprensa comercial, que é uma agente de mercado, da imprensa independente. Ela também defende que é necessário ter críticas ao governo e cautela ao ouvir o “outro lado”, que, para ela, sempre esteve associado aos espaços de poder e pode não representar a diversidade da população brasileira. “A ideia de equilíbrio também tem cor, tem classe, tem raça e tem gênero”.

Juliana Dal Piva trouxe sua experiência como repórter que cobriu tanto o governo passado como o atual para o debate. Ela diz que procurar o equilíbrio não é comparar um governo com o outro. A jornalista também destacou que a busca pela imparcialidade, tão falada na faculdade de jornalismo, muitas vezes não condiz com a realidade frente a situações em que sequer existem dois lados, ou diante de crimes em que ouvir os dois lados acaba sendo também tomar uma posição. “Na busca pelo equilíbrio, o repórter vai controlar uma posição mínima, que diz respeito a sua matéria”.

Depois de uma manhã intensa, a mesa da noite “Colapsoclimático e antropoceno” trouxe doses de desespero e otimismo sobre o futuro da vida humana no planeta Terra. Antes disso, nossa co-fundadora Marina Amaral abriu a segunda etapa do evento relembrando a criação da Pública e a importância de um evento como esse. “Em 2011, quando a gente se uniu para fundar a Pública, a gente acreditava no poder do jornalismo para impactar a realidade desse país tão injusto e desigual, e a gente sentia falta de muitas vozes nesse debate. Agora nós continuamos acreditando no jornalismo como um instrumento da sociedade democrática, trazendo informação de interesse público e de qualidade para qualificar o debate”.

A última conversa do dia, mediada por Giovana Girardi, chefe da cobertura socioambiental da Pública, lotou o teatro e teve as presenças ilustres do ativista e escritor Ailton Krenak, do climatologista Carlos Nobre e da jornalista de clima Daniela Chiaretti.

Em meio a mais uma onda de calor no Brasil, Giovana começou perguntando aos convidados sobre a relação da democracia com a crise climática. O ativista Ailton Krenak respondeu introduzindo o conceito de racismo climático, em que os mais vulneráveis sofrem mais com os efeitos das mudanças climáticas, mesmo não sendo os principais responsáveis por elas. “As mudanças climáticas estão sendo apropriadas pelo sistema de injustiça global e caberia talvez a gente levar em conta aquele modelo de pensar o racismo estrutural com as suas diferentes camadas e pensar como nós somos manipulados por uma compreensão direcionada do evento climático. O evento climático é uma realidade na nossa pele, no nosso corpo, no nosso território. Ele mata pessoas e deixa muita gente desabrigada”.

O climatologista Carlos Nobre trouxe a provocação de que não são as mudanças climáticas que afetam a democracia, e sim a democracia que afeta as mudanças climáticas. Nobre expressou uma enorme preocupação com a tendência mundial de crescimento do populismo e do negacionismo climático entre os líderes. “Se o populismo continuar a crescer, de extrema direita e até de extrema esquerda, nós colocamos o planeta numa trajetória de um suicídio ambiental climático planetário que nunca a humanidade enfrentou”. 

Daniela Chiaretti, repórter experiente de clima no Valor Econômico, comentou que é “um eterno aprendizado” tentar traduzir a ciência e os ensinamentos dos povos originários para o público, com o desafio de não paralisar as pessoas por medo, mas sim inspirar mudanças. Para a jornalista, ações individuais ajudam, mas é uma mudança que precisa ser constante e alinhar várias áreas. Por exemplo, as universidades de arquitetura  precisam estar pensando em materiais que sustentem as mudanças climáticas. “Tem muito trabalho a ser feito e é pra já, é para ontem”, destacou. Todas as mesas foram transmitidas ao vivo e estão disponíveis, na íntegra, no nosso canal do Youtube.

Após um dia de muitos encontros e conversas com quem acompanha de perto nosso trabalho, Giovana Girardi encerrou a celebração de aniversário lembrando que a Pública só é o que é há 13 anos porque não anda só. “A Pública só está aqui há anos porque a gente tem Aliados do nosso lado. É só com apoio deles que a gente faz jornalismo desse jeito, sem amarras, sem rabo preso, sem medo. [...] São os Aliados que nos permitem estar aqui fazendo essas perguntas hoje. Nos apoiem para que a gente possa continuar fazendo esse jornalismo!”.

Por: Letícia Gouveia - Assistente de comunicação da Agência Pública.

Nenhum comentário: