Chega de aplaudir assassinos de farda

Fevereiro não foi apenas o mês do Carnaval, da dengue e do cerco aos golpistas militares e civis do governo Bolsonaro (incluindo o próprio ex-presidente). Distante do noticiário no descanso das férias, a violência policial me veio como um tapa na cara na volta à realidade.

Em São Paulo, a Polícia Militar do governo Tarcísio de Freitas matou 38 pessoas em menos de um mês na Operação Verão – continuação da malfadada Operação Escudo, que já havia tirado a vida de 28 pessoas na Baixada Santista no ano passado.

Para além da letalidade fora do controle, ambas as operações tiveram como mote a vingança pela morte de um policial. Não se trata de uma guerra de policiais contra “bandidos”, aplaudida por boa parte da sociedade, apesar dos alertas dos especialistas sobre o equívoco dessa política. Em ambos os casos, as comunidades foram invadidas e civis foram assassinados indiscriminadamente para “dar o troco”, sem poupar nem as crianças. Ao todo, somando ambas as operações, são 66 pessoas mortas.

Nas palavras do relatório da Ouvidoria da polícia, que visitou os lugares-alvo da operação no dia 11 de fevereiro, este já é “o maior massacre do estado paulista desde a chacina do Carandiru”.

Oito crimes fatais, ocorridos em apenas três dias entre 7 e 9 de fevereiro, investigados pela Ouvidoria e entidades de direitos humanos, foram identificados como execução. Entre eles a morte de dois adolescentes desarmados em Itanhaém. Ao ouvir as denúncias dos moradores, uma mãe relatou a abordagem truculenta de policiais contra o filho de 10 anos de idade em São Vicente.

Aliás, como revelou uma reportagem de ontem da Pública, na gestão Tarcísio, com o capitão Derrite à frente da Segurança Pública, o número de crianças e adolescentes mortos em decorrência de operações policiais subiu 58% em um ano. O número saltou de 24 mortos em 2022 para 38 vítimas em 2023. A maior parte das vítimas é negra e diversos crimes têm características de execução.

E não só em São Paulo. No Rio de Janeiro pós-Carnaval, a “normalidade” está de volta. Na última terça-feira, nove pessoas foram mortas em mais uma operação conjunta das polícias Civil e Militar, sempre sob o pretexto de combater o Comando Vermelho (CV). Duas delas foram socorridas por pessoas da comunidade no Complexo do Alemão, como mostra um vídeo chocante postado nas redes sociais. Segundo a polícia, eles seriam membros da facção criminosa e morreram a caminho do hospital. Mais sete foram assassinados em suposto confronto com a polícia na Baixada Fluminense.

Mais uma vez, as crianças e adolescentes das comunidades da Maré, Alemão, Penha e Morro do Trem pagaram um alto preço pelos crimes que não cometeram. Trancados em casa durante mais um dia de terror, assistiram impotentes ao fechamento de 62 escolas, que deixou mais de 20 mil estudantes sem aulas.

Já em Minas Gerais, encerraram-se os dois anos de investigações da Polícia Federal (PF) sobre a chacina de Varginha, a maior perpetrada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no governo Bolsonaro. De acordo com a reportagem da Pública, os agentes simularam um tiroteio para justificar o assassinato de 26 pessoas desarmadas. Pura e simplesmente execução.

A PF pediu o indiciamento de 23 policiais rodoviários e 16 militares, entre eles um tenente- coronel, por crimes de tortura, homicídio qualificado e fraude processual. Durante a ação policial, nenhum agente ficou ferido. Ao todo, eles dispararam 500 tiros.

É dessa crise da segurança pública que deveríamos estar tratando em vez de enviar o ministro da Justiça para Mossoró, como se a fuga de dois presos fosse o fato mais preocupante do país, ou aprovar projetos populistas que unem políticos de todos os partidos contra as saidinhas dos presos, outra medida comprovadamente ineficaz e cruel.

Até aqui, porém, a cobertura dos grandes veículos sobre segurança pública só perpetua o sofrimento da população e os equívocos nas políticas que supostamente deveriam fazer a lei prevalecer.

Por: Marina Amaral - Diretora Executiva da Agência Pública.

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