Para entender o pano de fundo, é importante separar conceitos. O Sistema Itaparica é um conjunto de dez projetos de irrigação entre Pernambuco e Bahia, criado no fim dos anos 1980 para viabilizar a vida de mais de 45 mil pessoas reassentadas pela hidrelétrica. Ele não integra o Projeto de Integração do São Francisco (PISF, a “transposição” federal), embora dependa do mesmo rio. Em momentos de crise, como em 2023, o governo federal precisou suplementar recursos para garantir água e energia nesses perímetros, evidenciando a fragilidade operacional e a necessidade de planejamento de longo prazo.
Na conversa que recolocou o assunto sob os holofotes, o líder regional Carlinhos Sobral pediu ao ministro Rui Costa a atualização de um anteprojeto de 1988 sobre derivações de água a partir de Glória. A demanda defende que a perenização de rios locais, associados por moradores ao eixo entre Paripiranga, Coronel João Sá, Jeremoabo, Sítio do Quinto, Glória e Paulo Afonso, poderia criar um corredor produtivo com polos de irrigação e piscicultura. Segundo ele, seria “a obra dos últimos 100 anos” para o semiárido baiano. Rui Costa sinalizou que requisitaria o estudo, avaliaria a qualidade técnica e custos, e, se houver base sólida, atualizaria o projeto para uma nova etapa de análise.
A dimensão social é central. Experiências recentes mostram que grandes sistemas hídricos só funcionam com três pilares, a operação contínua de bombeamento e energia, manutenção das adutoras e canais, e governança com participação das comunidades.
Há também o componente de justiça hídrica. Itaparica nasceu para reparar um impacto e sustentar vidas. Requalificar e expandir seu alcance, com tecnologia atual, medição inteligente, energia renovável e metas sociais, pode reduzir desigualdades históricas no acesso à água. Não se trata de prometer “mar de água” no sertão, mas de construir sistemas resilientes, com metas exequíveis e cronogramas públicos. O semiárido convive com escassez; gestão é tão importante quanto obra.
Com isso, pode nascer um plano regional de água e produção, integrando educação técnica, assistência agrícola e crédito orientado, para que a água se traduza em renda e dignidade, e não em mais um projeto parado.
O Projeto Jusante recoloca o São Francisco no
centro da vida sertaneja, mas só avançará se aprender com o passado e com as
experiências do PISF. Água, energia e gestão precisam andar juntas. Se Brasília
e Bahia conseguirem costurar técnica, orçamento e participação social, há
chance real de sair do discurso e entrar na história, com obras que entreguem o
que prometem: desenvolvimento com raízes no chão do semiárido.

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