Éramos duas pessoas diferentes na fila do cinema em 1982.

Ao final do filme, os outros eram iguais a nós.

No ano de 1979 eu ouvia falar de um musical americano que tinha virado filme. As notícias que chegavam de Recife/PE e Salvador na Bahia eram as mais “loucas” possíveis. Muitos falavam que já tinha, visto aquela película dezenas de vezes. E as informações me faziam imaginar o que de tão especial existiria na história para que uma pessoa passasse horas dentro de uma sala de cinema e voltasse outros dias seguidos.
Nos jornais da época está “febre” pelo filme Hair (cabelo) virou notícia. E os nomes de alguns eram escritos de forma a nos deixar, aqui no interior, na expectativa de o ver logo. Enquanto isto não acontecia, eu busca notícias sobre tudo o que se falava do filme e recortava a propaganda e colava na parede do meu quarto, que tinha virado um mural sobre o assunto.
Quando surgiu a notícia de que finalmente Hair seria exibido em Paulo Afonso eu tinha a certeza de que estaria na primeira exibição do mesmo. E foi isto que aconteceu. Eu não fui a escola naquela noite. Fui ao encontro de Gláide, que era minha namorada e veio a ser a mãe do meu primeiro filho, Augusto Flávio.
Quando chegamos no COPA – Clube Operário de Paulo Afonso, já tinham algumas poucas pessoas formando uma fila. Quando chegamos perto das pessoas, parecia que tinham chegado dois extraterrestres. Gláide ate hoje usa roupas que lembram o movimento Hippie e eu estava lá de calça jeans toda rasgada, sandália “Lap-Lap” feita de couro, camisa branca com uma só manga e com cortes feitos propositalmente. E para completar o cabelo batia na metade das minhas costas. E os que chegavam e nos viam mostravam sorrisos entre os lábios e nós nos divertíamos com aquilo. Não me interessa o que eles pensavam, mas sim o que me fazia feliz. Eu era feliz.
Assistimos o filme. O que eu vi era muito mais impactante do que tinha lido ou ouvido falar. Na tela alguém tinha representado o meu pensamento de liberdade, de amizade, de fraternidade. Exceto a glamorização as drogas, todo o resto era perfeito.
Hair I got life (cabelo. Eu tenho vida) foi a seqüência que mais me perturbou no filme, quando o vi pela primeira vez. Ver o personagem “Claude Bukowski”, interpretado pelo ator John Savage subindo na mesa dos “bacanas”, ate hoje mexe com minha imaginação. Mas é a música Let the sun shine in (deixe o sol brilha) que ficou na memória e ate hoje faz a minha cabeça.
Ao sairmos do cinema, após o final do filme, as pessoas já não nos olhavam com os olhos de quem não sabiam o que tinham visto. Hair ate hoje deveria ser exibido nas escolas, logo que os jovens chegassem ao segundo grau. Seria uma forma de mostrar a todos que o amor, a amizade, o não racismo e o “estranho” podem conviver conjuntamente. E nestes dias de vida virtual, o filme pode servir para mostrar que ainda há tempo para o retorno da vida social.
A história serve também para mostrar aos jovens que as pessoas que um dia sonharam com a liberdade, a justiça social e a amizade entre os povos, nuca desistiram. Elas continuam lutando por uma sociedade justa para todos. Sem guerra, sem ódio.
Ainda mora em mim a rebeldia dos anos 80.

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