Depois do Vargas desenvolvimentista e nacionalista do
governo democrático encerrado de forma trágica em 24 de agosto de 1954, a
direita civil e militar, derrotada na tentativa de desestabilizar o quinquênio
Juscelino, nada obstante os levantes de Jacareacanga e Aragarças e os seguidos
pedidos de impeachment, considerava intolerável o retorno do trabalhismo, com a
posse de Jango, anatematizado como “herdeiro de Vargas”, e acusado de pretender
instaurar uma democracia sindicalista.
Recordemos a História.
Em 1961, os ministros militares (Odílio Denys, da guerra;
Silvio Heck, da marinha, e Gabriel Grün Moss, aeronáutica), na sequência da
renúncia do presidente Jânio Quadros, se insurgem contra a posse do
vice-presidente constitucional, João Goulart, desencadeando a chamada “crise da
legalidade”, que se concertou mediante reforma constitucional que implantou o
parlamentarismo, uma traficância que envolveu militares insubordinados e um
Congresso de joelhos vergados. Nada obstante o aparato formal, a mudança de
regime não passava de golpe parlamentar, perpetrado contra o presidencialismo e
os poderes constitucionais do presidente. Contra, sobretudo, a soberania
popular. Foi o preço pago aos militares para assegurar a posse do vice
constitucional: Jango, ao final, tomaria posse, mas não governaria, castrado em
seus poderes. Os generais insurgentes não foram punidos, nem esses nem os
muitos que permaneceram conspirando contra as instituições democráticas, como
fazem até hoje. Haviam estado na tentativa de deposição de Vargas, na tentativa
de impedir a posse de Juscelino em 1955, e atuariam ainda nas articulações da
ditadura de 1964, que manteriam de pé por longos 21 anos. E estão agora na
retaguarda do bolsonarismo.
Fruto de um golpe de Estado, implantado contra a manifesta
vontade nacional que por todos os meios defendia a posse do vice João Goulart e
a mantença da ordem presidencialista, o novo sistema seria revogado por
esmagadora maioria de votos no plebiscito a que foi submetido em 1963. De um
eleitorado de 18 milhões de pessoas, 11,5 milhões votaram no plebiscito. O
resultado determinou a volta ao sistema presidencialista, por 9,4 milhões de
votos contra 2 milhões.
A repulsa ao parlamentarismo seria novamente pronunciada – e
uma vez mais pela imensa maioria votante – no plebiscito de 1993, convocado nos
termos da Constituição de 1988, para que o povo escolhesse entre monarquia e
república, e entre presidencialismo e parlamentarismo. Com 55% dos votos, o
presidencialismo foi confirmado como a escolha da maioria. O parlamentarismo
teve 25% dos votos e a monarquia, 10%.
A partir desse veredito, a tramitação de qualquer emenda
tendente a mudar o regime só poderá tramitar após autorização plebiscitária.
Pois não é que, em pleno ano eleitoral, a cerca de seis meses do pleito
presidencial, o atual presidente da Câmara dos Deputados – retrato de corpo
inteiro da decadência moral e intelectual do poder legislativo – aparece com a
proposta estapafúrdia e velhaca de um “presidencialismo mitigado”. Estapafúrdia
por tudo que é óbvio (pelo que pretende e pela crassa inoportunidade) e
velhaca, pois é simplesmente o nome de fantasia de um parlamentarismo
disfarçado, um projeto de golpe de Estado contra a democracia representativa.
O que de fato pretende a escória da política brasileira, na expectativa de não
poder impedir a eleição de candidatos populares à presidência da república, é,
precatadamente, retirar do povo o direito de eleger seu governante –
reconquistado em 1989 a tantas e tão duras penas! –, transferindo a decisão da
soberania popular para um colégio de 594 parlamentares, uns simplesmente
negocistas, outros milicianos, outros assacadores contumazes do erário, como a
choldra chamada Centrão, cujo mais ilustre representante é o próprio capitão
presidente.
Pela proposta do lamentável presidente da Câmara, o
presidente é eleito pelo povo mas não governa: é a versão tropical da rainha da
Inglaterra. Vai a solenidades, viaja, distribui condecorações e comendas,
recebe embaixadores. Enquanto isso, o primeiro-ministro, eleito pelo Congresso
(por um Congresso como este que está aí), é quem dá as cartas, escolhe, nomeia
e comanda o ministério.
Para emprestar pompa e circunstância ao andamento da coisa
(rejeitada, relembro, em dois plebiscitos), o jagunço alagoano nomeou uma junta
de parlamentares e oferece-lhes um “conselho de jurisconsultos” – entre os
quais figura, vejam só, um campeão de arrivismo, o ex-presidente Michel Temer,
o perjuro,
O golpismo cautelar está apenas ensaiado e deverá cumprir o
mesmo papel antes levado a cabo pela emenda Raul Pilla, a solução mágica que a
direita carregará no bolso do colete, pronta para entrar em ação na primeira
crise institucional que ela mesma – a direita nativa e os procuradores do
imperialismo – não terá dúvidas em cavar
quando seus interesses exigirem o enfrentamento de governos nalguma medida
progressistas. Como reagirá a Faria Lima, e como reagirão os potentados do
agronegócio a um governo que, como promete o candidato Lula, “coloque os pobres
no orçamento e os ricos no imposto de renda”? Ou que reveja a “reforma"
trabalhista”? Os meios de que dispõe a casa-grande são esses: insurgência
militar, golpe parlamentar, impeachment e, até, a mudança de regime. De todas
essas medidas vem lançando mão na República, sem dó nem piedade.
A segurança de um eventual governo progressista, já não digo
de esquerda, está na sustentação popular com a qual possa contar, e neste
sentido é animadora a iniciativa de organização em todo país de comitês
populares pluripartidários ou mesmo não partidários, os quais, atuando já agora
para o pleito, mantenham-se organizados e mobilizados durante o governo, e
preparados para defendê-lo. Parece que a militância petista está convencida
desta necessidade. Torço pelo seu êxito.
***
Revanchismo – Recheado de viúvas da ditadura, o Ministério
da Defesa volta a expelir, às vésperas do aniversário do golpe de 1º de abril
de 1964, uma "ordem do dia" ofensiva à Constituição e à memória
nacional. Assinada por Braga Netto e os comandantes das três forças, fruto da
impunidade que o Estado brasileiro concedeu aos torturadores e seus cúmplices,
a lamentável provocação foi ecoada por Hamilton Mourão ( o inútil) nas redes
sociais. Mas não adianta: por mais que essas figuras minúsculas mintam
desavergonhadamente, por mais que tentem reescrever o passado, o golpe de 64
seguirá sendo um episódio sombrio, levado a cabo por militares indignos da
farda e submissos a interesses forâneos, que
nos lançou numa ditadura brutal e assassina, ao fim da qual recebemos um
país falido, ajoelhado diante de credores internacionais. A História não os
absolverá.
Marielle – Chegamos a abril de 2022, e continuamos sem saber
quem mandou matar Marielle Franco.
ABI – Finalmente, uma alegria: a candidatura de Cristina
Serra, na sucessão do bravo presidente Paulo Jerônimo de Sousa.
Por: Roberto Amaral.
* Com a colaboração de Pedro Amaral
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