UM PEDIDO DE DESCULPAS (Por Fernando Horta)

Precisamos, a bem do convívio social, reconhecer quando somos incoerentes ou inconsistentes. Entender o outro é vital numa sociedade, especialmente em momentos de crise como estamos enfrentando.

Esta semana eu percebi o sentimento de repulsa, de impotência e indignação que os apoiadores do golpe no Brasil viveram durante todo o período de governos progressistas (de 2003 até 2014). A opressão do sistema social, político e jurídico deve ter sido insuportável para eles durante todos estes anos. E eu, inadvertidamente, não percebi o quanto era aterrador para a direita.

Desde o início do governo Temer eu tenho sentido, provavelmente, o que eles sentiram por quase 13 anos. Tenho anos de estudo, pós-graduações, experiência em diversos estados como professor e ainda assim tenho me sentido amarrado, sem reconhecer o meu país. Uma vontade imensa de sair gritando a indignação a cada direito perdido, a cada absurdo votado no congresso, a cada morte de pessoas vulneráveis, a cada cobertor retirado no inverno. Ver Mendonça Filho debatendo Educação com Alexandre Frota é simplesmente amedrontador. Ver Romero Jucá e sua desfaçatez falando em “votar reformas pelo Brasil” me engasga a garganta, me deixa enojado de uma forma que eu nunca tinha experimentado.

A Petrobrás sendo desmontada nas mãos de um gestor (Pedro Parente) que já foi condenado por desvios da própria Petrobrás me deixa sem saber a quem recorrer. Será que ninguém percebe o absurdo? Eu estou louco? É uma mescla de revolta com um sentimento ruim de impotência, algo muito nauseante. Ver o SUS sendo desmontado, farmácias populares sendo fechadas. Ver o governo pagar blogueiros semi-analfabetos para convencerem os jovens de que as “reformar do ensino” lhes serão benéficas é para mim, que sou professor, um crime. Algo indizível, impossível, que eu jamais pensei que poderia acontecer no meu país. A mentira e o embuste como estratégia política lutando pelo aprofundamento das diferenciações sociais.

Perceber a Justiça em silêncio em diversos casos. Desde pastores-políticos envolvidos em charlatanismo, acusações sexuais, lavagem de dinheiro ... simplesmente somem dos noticiários e seis meses depois vemos que a roda do poder andou e eles agora são vítimas processando suas acusadoras. Todos os citados em recebimentos de propina somem das páginas de jornais e vão aparecer nos sorteios do STF. Com muita sorte, aliás. As pedaladas que antes eram inaceitáveis e agora são legais. A compra de apoio que antes era a política do “toma lá da cá” agora voltou a ser o “presidencialismo de coalizão” funcionando. Enfim, o país derretendo e eu com este gosto amargo na boca, com o grito entupido na goela, sem saber direito a quem recorrer ou mesmo para quem rezar.

Um sentimento de estranheza a este amontoado de barbaridades feitas em apenas um ano por um governo vil e venal. Um presidente sujo, enfiado em corrupção desde sua gênese política, vindo à público comemorar números do PIB falsificados e, depois vir de novo, para dizer-se vítima de uma conspiração. É demais. É surreal, até para o Brasil. Estamos criando novos padrões para a canalhice institucionalizada. E eu aqui, amarrado por constrangimentos sociais e uma certa educação pequeno-burguesa pensando em mil formas de demonstrar o desgosto e a revolta. Das mais simples e sonoras gritando “fora Temer”, até as mais intrincadas e inconfessáveis.

No auge do meu desespero percebi o inferno que os apoiadores do golpe devem ter sofrido por longos 13 anos. Um pesadelo sem nenhuma forma de controle. Imaginem, era pobre indo para a universidade, era preto recebendo diploma de médico, de advogado. Era PIB batendo recorde decrescimento, era prefeito de capital em manifestação transgênero sendo aclamdo. Era o salário mínimo crescendo e o país atingindo o pleno emprego. Eram as leis de proteção ao trabalho respeitadas. Gente usando desodorante nacional nos aeroportos, embarcando para ver as famílias neste brasilzão. Era a ONU parabenizando o país pela saída do Mapa da Fome. Obama chamando o nosso presidente de “o cara”. Era discurso na ONU cheio de erros de português e metáforas populares, o-va-cio-na-do!

Era mulher na presidência sendo homenageada em revista gringa sem ter que falar uma palavra na língua deles. Era trans, preto, pobre tudo nos shoppings, fazendo rolé, frequentando – vejam só – espaços de gente “de bem”. Eu, com a experiência de hoje e o sofrimento que tenho no atual Brasil, imagino estes conservadores de direita sofrendo naqueles tempos. Deve ter sido uma tortura ver um retirante ter seu busto seu em mármore nos EUA. Para estes fascistas devia ser abominável aquela gente toda comemorando eleição, semelhante ao que é hoje para mim ver tanta gente defendendo hipocritamente “eleições indiretas”.

Eu reconheço, fui insensível. Não percebi o quando os conservadores, os fascistas e os neoliberais sofreram nestes treze anos. Tantos “absurdos” que obrigamos eles a começarem a experimentar e aceitar. Tantos privilégios que fomos quebrando e eles sem saber, afinal, que país era este. Estávamos a ponto de convencer policial que ele não pode matar e implementar estudos de gênero para evitar o estupro, a violência e o preconceito. E eu não me dei conta do sofrimento que impusemos a eles. Peço desculpas. Se hoje é insuportável para mim, que tenho formação humanista e tolerante, imagina para esta curruela de direita que se acha diferenciada neste país?

Só tem uma diferença entre o meu desconforto e indignação e a sua, golpista: eu respeitei as eleições.

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