As duas decisões tomadas nesta sexta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) lançam, outra vez, dúvidas sobre a isenção da Justiça nesta longa e tenebrosa crise. Ao soltar o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures e devolver o mandato ao senador Aécio Neves, ficam questionadas medidas resolvidas em fases anteriores, as quais tiveram importante influência sobre o processo político.
Compare-se o tempo de estadia, no mesmo cubículo da Polícia Federal, destinado ao então líder do governo Dilma no Senado, Delcídio do Amaral, e, agora, ao assessor de Temer. Preso em novembro de 2015, Amaral ficou detido 85 dias e só saiu porque concordou em fazer delação premiada. A peça extorquida por meio do que hoje a família Loures chama de condições torturantes tinha como centro a afirmação de que Lula e Dilma conheciam o esquema de corrupção na Petrobras.
O vazamento da colaboração "voluntária" de Delcídio virou edição extra da revista "Isto É" no meio da semana, com direito a uma extensa cobertura eletrônica. Dois dias depois o ex-presidente Lula sofria condução coercitiva. No domingo subsequente, veio a gigantesca manifestação de rua, a qual iria selar o destino político de Rousseff.
Loures, por seu turno, ficou preso menos de um mês, sendo ele a figura chave para esclarecer se, de fato, os R$ 500 mil entregues pela JBS se destinavam ao atual presidente da República, como afirma a denúncia da Procuradoria entregue na segunda-feira. Notícias dão conta de que o homem da mala se encontrava em condições lastimáveis, havendo, talvez, um sentido humanitário no gesto do ministro Edson Fachin. Mas, pergunta-se, por que semelhante humanidade não foi aplicada a Delcídio, o qual teve uma crise de claustrofobia nos primeiros dias de prisão.
O ministro Marco Aurélio Mello, por seu turno, ao restituir o presidente afastado do PSDB à condição de senador, argumentou que extrapola a competência do STF "afastar um parlamentar" do legítimo exercício da função para a qual foi eleito. De fato, inexiste na Constituição, conforme registrado nesta coluna, a figura da suspensão de mandato. Ocorre que, para resolver um problema político da época, o de que a Câmara se recusava a cassar o presidente da Casa, Eduardo Cunha, o Supremo intrometeu-se onde não devia e não foi contestado
A diferença entre a situação anterior e a atual é que o afastamento —e posterior prisão— de Cunha funcionava para legitimar o polêmico impedimento de Dilma, ainda em curso naquele momento. Era preciso "lavar" o procedimento que visava derrubar a petista. Agora que é outro o presidente da República denunciado, o tratamento mudou.
Por André Singer.
Um comentário:
O ministro Marco Aurélio deveria, em respeito ao seu colega Fachin que afastou o Aécio, submeter o recurso ao plenário do STF, e não decidir sozinho, monocraticamente como fez. Se tivesse feito isso, se tivesse levado a decisão ao colegiado, muito provavelmente o STF teria mantido a decisão do ministro Fachin.
O ministro Marco Aurélio foi nomeado relator do recurso no mês de maio, há cerca de trinta dias, e durante esse período o ministro declarou à imprensa que iria remeter o recurso para apreciação pelo plenário do Supremo e que "jamais reconsideraria a decisão do Fachin",. Mas depois de segurar os autos durante trinta dias, Marco Aurélio se sobrepõe ao seu colega Fachin e, numa canetada kafkiana, no apagar das luzes das atividades daquela Corte, antes do recesso, revoga o afastamento do Aécio, mandando o tucano de volta ao seu ninho.
Eventual recurso do MPF contra essa decisão só será apreciado pelo Supremo depois do recesso, daqui a longos trinta dias. Até lá, o cenário político nacional já terá mudado, os EUA provavelmente já terão invadido a Coreia do Norte, Jesus Cristo já terá voltado para julgar os corruptos, e o Armagedon sobrevirá sobre a Terra. E antes que eu me esqueça, até lá, ou seja, depois do recesso, daqui a trinta dias, o senador Aécio Neves já terá articulado com o Gilmar Mendes (que salvou o Temer no TSE) para que sejam arquivados todos os demais inquéritos que tramitam no STF contra ele, legitimando-se assim para concorrer ao pleito presidencial de 2018.
Além de autorizar o retorno do senador Aécio, o ministro Marco Aurélio também o enalteceu com elogios desnecessários, como que debochando do povo brasileiro.
Uma decisão como essa, que livra o “mineirinho” das peias da lei, é uma prova clara de que a lei não existe para todos. É como se diz por aí: a Justiça no Brasil só pune pobre, preto, puta e os delcídios do amaral da vida.
por Cícero Costa: https://disqus.com/by/mapjan/
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