O que não foi possível de ser retirado da aldeia pelos indígenas Kariri Xocó de Paulo Afonso, sertão baiano, os tratores demoliram. A maloca de reza foi a primeira estrutura a ser destruída. Para os escombros não alimentarem uma vez mais os sonhos de uma comunidade próspera, tudo foi devidamente incendiado - incluindo as plantações, em parte cultivada pelas crianças; o que deu para ser colhido, devido a forte pressão policial, não encheu um carrinho de mão. Enquanto a aldeia queimava, já à noite, os 170 indígenas rumaram para uma escola desativada há cinco anos, ladeada pelo pátio de terra batida de uma Igreja, do outro lado da BR-423. Sem luz e água, passaram a madrugada amontoados sobre sacolas, malas e trouxas de roupas. Mulheres grávidas e idosas precisaram de atendimento médico do Samu; crianças choravam, outras alternavam passividade com euforia. As águas roncavam em redemoinhos no fundo do canyon.
Às margens do Rio São Francisco e sob o Reino Encantado da Cachoeira de Paulo Afonso, estes indígenas sofreram uma reintegração de posse nesta quinta-feira, 25. O despejo das 67 famílias levou 12 horas - contando com policiais "especialistas" em reintegração de posse especialmente deslocados do Rio Grande do Sul, de acordo com os autos processuais que mantiveram a determinação da reintegração. Um toré tomou conta das duas faixas da BR-423, quando toda a aldeia já estava fora da terra. Mais uma etapa da diáspora secular do povo, que envolvidos em uma situação de vulnerabilidade extrema decidiu se manter junto - diferente do que ocorreu na última dispersão, por volta da década de 50 com a construção do Complexo Hidrelétrico de Itaparica. Há quase dois anos vivendo nesta retomada de dois hectares, os Kariri Xocó estruturaram uma aldeia pungente que se esvaiu aos olhos de todos e todas em poucas horas. Comoção, revolta, desmaios, luta.
"Nesse momento me sinto muito triste. O despejo é triste. Você ver a casa, o seu teto, uma vida feliz sendo acabada. A gente passar mais uma vez um sufoco desse. Não é a primeira vez. No dia anterior, contamos por volta de uns 80 policiais, retroescavadeira. Tudo pra demolir uma aldeia numa terra da União. Esse governo, essa Justiça. Todo mundo vê o que tá acontecendo, quem são eles. Se pensa que vai ter Brasil fazendo isso com o povo indígena, se engana", diz Antonio Santos Kariri Xocó de Paulo Afonso. A área, de 170 hectares no total, esteve antes abandonada durante 30 anos e pertence ao DNTI, portanto, da União. No entanto, o órgão federal afirmou não ter interesse e a transferência para a Funai está acertada e em curso. As tratativas foram iniciadas há mais de um mês em processo administrativo na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
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