Num momento da história, tragédia. Noutro, farsa. Lembro-me de Marx, justo dele, um materialista convicto, quando vejo movimentos da Prefeitura de Salvador contra as religiões de matriz africana. Por que esses movimentos, por que essa má vontade com o candomblé? Quais as motivações? Poderia dizer que é como se a atual administração ouvisse ecos do passado escravocrata ou, até mesmo, do século XX, quando a religião dos negros ainda tinha que pedir licença policial para realizar seus ritos.
Fico aqui a matutar sobre como reagiram os religiosos do Ilê Odô Ogê, terreiro também conhecido como Pilão de Prata, ao receberem um jovem fiscal da Prefeitura, no dia 18 de março deste ano. Constrangido, notificava a casa religiosa pelo barulho provocado pelos "instrumentos de percussão", que era como ele se referia aos atabaques. A notificação dizia que a "emissão sonora gerada em atividades não residenciais" somente poderia ocorrer se autorizada pela Prefeitura. Incrível, mas verdadeiro. Penso na lei, na isonomia, e constato a óbvia discriminação. Com essa atitude, agride-se notoriamente o dispositivo constitucional da liberdade de culto.
Ao fiscal, explicou-se que a roça do Ilê Odô Ogê nascera lá pelos idos de 1963, que o terreiro fora tombado em 2004. Tratava-se de um templo já tradicional. Ao jovem fiscal foram mostrados o Museu e a Biblioteca do terreiro. Não havia diálogo, não se admitia conversa. Ele tinha que lavrar o auto. Por que isso só ocorre apenas com as religiões de matriz africana? Por que essa perseguição à religião dos negros, assumidamente religião de negros? Por que essa dificuldade em lidar com a diversidade religiosa? Por que essa intolerância que não cessa? Por que não se aplica o princípio de que toda religião tem que ser igualmente respeitada? A Prefeitura - ou se quisermos o Estado, em sentido amplo - tem obrigação de ser laica e na sua laicidade fazer respeitar toda e qualquer religião.
Provavelmente, embora seja quase inacreditável, haja quem, na Prefeitura, ainda queira obrigar os terreiros de candomblé a tirar licença para cumprir os seus rituais, procedimento que foi abolido na Bahia em 1975. Tardiamente, mas abolido. A atitude do jovem fiscal evidencia que o ovo da serpente da discriminação, do preconceito ainda tem acolhimento, e não tão disfarçadamente. O espectro da Casa Grande continua a nos rondar. Eu me pergunto se o prefeito João Henrique tem conhecimento disso. Seguramente, o culpado não pode ser encontrado no jovem fiscal. Ele apenas obedece ordens.
A Prefeitura vem agindo de modo rotineiramente perverso com as religiões de matriz africana. Falar apenas em erros denotaria ingenuidade. São vários episódios. Lembro-me de outro, recente. Em 2008, a agressão atingiu o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, o célebre terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o mais antigo templo afro-brasileiro em funcionamento, cuja fundação remonta ao início do século XIX, tido como uma espécie de "mãe de todas as casas" de santo do Brasil. É uma casa respeitadíssima. O então governador Waldir Pires, em 1987, declarou de utilidade pública para fins de desapropriação o posto de gasolina que ocupava área da Casa Branca, e aí surgiu então a Praça de Oxum, cujo projeto de urbanização foi de Oscar Niemeyer.
Pois bem, em 2008 a Prefeitura pediu o arresto do imóvel onde se encontra o terreiro da Casa Branca, depois de autuar uma sacerdotisa falecida há 80 anos por uma suposta dívida relativa ao IPTU. Seria cômico, não fosse trágico. Claro que um terreiro como a Casa Branca, visitado por governadores e presidentes, respeitado por outros credos não pode ser agredido assim impunemente, e a Prefeitura teve que recuar diante das reações. Se, no entanto, fazem isso com a Casa Branca, imaginemos o que continuarão a fazer com os demais terreiros, muitos deles pequenos, sem a notoriedade do Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Creio que se impõe a todos os que defendem o respeito à diversidade religiosa, que se impeça o crescimento dessa atitude odiosa por parte da administração municipal em relação ao candomblé. Viva a liberdade religiosa.
De Emiliano José.
Fico aqui a matutar sobre como reagiram os religiosos do Ilê Odô Ogê, terreiro também conhecido como Pilão de Prata, ao receberem um jovem fiscal da Prefeitura, no dia 18 de março deste ano. Constrangido, notificava a casa religiosa pelo barulho provocado pelos "instrumentos de percussão", que era como ele se referia aos atabaques. A notificação dizia que a "emissão sonora gerada em atividades não residenciais" somente poderia ocorrer se autorizada pela Prefeitura. Incrível, mas verdadeiro. Penso na lei, na isonomia, e constato a óbvia discriminação. Com essa atitude, agride-se notoriamente o dispositivo constitucional da liberdade de culto.
Ao fiscal, explicou-se que a roça do Ilê Odô Ogê nascera lá pelos idos de 1963, que o terreiro fora tombado em 2004. Tratava-se de um templo já tradicional. Ao jovem fiscal foram mostrados o Museu e a Biblioteca do terreiro. Não havia diálogo, não se admitia conversa. Ele tinha que lavrar o auto. Por que isso só ocorre apenas com as religiões de matriz africana? Por que essa perseguição à religião dos negros, assumidamente religião de negros? Por que essa dificuldade em lidar com a diversidade religiosa? Por que essa intolerância que não cessa? Por que não se aplica o princípio de que toda religião tem que ser igualmente respeitada? A Prefeitura - ou se quisermos o Estado, em sentido amplo - tem obrigação de ser laica e na sua laicidade fazer respeitar toda e qualquer religião.
Provavelmente, embora seja quase inacreditável, haja quem, na Prefeitura, ainda queira obrigar os terreiros de candomblé a tirar licença para cumprir os seus rituais, procedimento que foi abolido na Bahia em 1975. Tardiamente, mas abolido. A atitude do jovem fiscal evidencia que o ovo da serpente da discriminação, do preconceito ainda tem acolhimento, e não tão disfarçadamente. O espectro da Casa Grande continua a nos rondar. Eu me pergunto se o prefeito João Henrique tem conhecimento disso. Seguramente, o culpado não pode ser encontrado no jovem fiscal. Ele apenas obedece ordens.
A Prefeitura vem agindo de modo rotineiramente perverso com as religiões de matriz africana. Falar apenas em erros denotaria ingenuidade. São vários episódios. Lembro-me de outro, recente. Em 2008, a agressão atingiu o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, o célebre terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o mais antigo templo afro-brasileiro em funcionamento, cuja fundação remonta ao início do século XIX, tido como uma espécie de "mãe de todas as casas" de santo do Brasil. É uma casa respeitadíssima. O então governador Waldir Pires, em 1987, declarou de utilidade pública para fins de desapropriação o posto de gasolina que ocupava área da Casa Branca, e aí surgiu então a Praça de Oxum, cujo projeto de urbanização foi de Oscar Niemeyer.
Pois bem, em 2008 a Prefeitura pediu o arresto do imóvel onde se encontra o terreiro da Casa Branca, depois de autuar uma sacerdotisa falecida há 80 anos por uma suposta dívida relativa ao IPTU. Seria cômico, não fosse trágico. Claro que um terreiro como a Casa Branca, visitado por governadores e presidentes, respeitado por outros credos não pode ser agredido assim impunemente, e a Prefeitura teve que recuar diante das reações. Se, no entanto, fazem isso com a Casa Branca, imaginemos o que continuarão a fazer com os demais terreiros, muitos deles pequenos, sem a notoriedade do Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Creio que se impõe a todos os que defendem o respeito à diversidade religiosa, que se impeça o crescimento dessa atitude odiosa por parte da administração municipal em relação ao candomblé. Viva a liberdade religiosa.
De Emiliano José.
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