Carta aos militantes petistas (Parte 1) – Fase II.

Volto a estabelecer um diálogo com a militância petista. Iniciei esse diálogo em 2005, quando de nossa crise. Creio que seja o momento de retomar essa conversa. É preciso discutir, refletir sobre nossas práticas, provocar o debate. E começo com a discussão de um aspecto da tentativa, sempre recorrente, da privatização da política. Trato, nesse texto, da militância, das dificuldades para voltar a afirmar a idéia de militância.

Entrou em desuso a palavra militante. Às vezes, motivo de escárnio.

Afirma-se um pragmatismo profissionalizante da política que vai matando a militância, a idéia generosa da entrega à humanidade, da vida dedicada à mudança do mundo, à execução de projetos revolucionários.

É como se ninguém mais quisesse ouvir a proclamação de Che – se você for capaz de se indignar diante de uma injustiça continua a ser um revolucionário. Pode não ser esta a citação, mas é o espírito. Temos nos afastado disso, lamentavelmente. O espírito do mercado invadiu a política, e muitas vezes mesmo a política de esquerda.

E o que eu ganho com isso?

Esta é uma pergunta permanente, feita de forma direta ou arrevesada. Aberta ou obliquamente.

E qual a estrutura que vou ter? Outra forma de indagar.

Será que não estamos com isso, à esquerda, esquecendo os projetos, deixando de pensar na idéia generosa da revolução?

Será que a militância agora se reduz ao voluntariado nas ONGs?

Será que os partidos políticos não são mais capazes de estimular os mais velhos e os mais novos a uma entrega a projetos políticos capazes de melhorar o mundo sem receber nada em troca, salvo as próprias mudanças?

Quero fazer a luta para mudar esse espírito.

Trata-se de uma luta político-cultural.

Sei, sei bem, que mesmo à esquerda, há um quase automático esgar cínico diante de uma reflexão como essa. Ora, ora, esse tempo já passou. Tudo agora é profissionalizado. Tem tanta gente se dando bem... Por que não eu?

Ou então é o pragmatismo dos que esperam que o governo seja a tábua de salvação. Ué, mas nós agora não estamos no governo? Eu quero o meu também. E diante disso quem quer que venha a disputar a eleição tem que pensar em grana, muita grana, estrutura, em como responder às centenas de demandas materiais que pululam de tudo quanto é lado.

E há aqueles que gritam logo: se não pode atender às demandas, então não se candidate. Ou tem dinheiro ou não se jogue nessa luta.

Penso que não podemos deixar de fazer a luta para incentivar, recuperar o sonho da política.

Ela não é, não pode ser, não deve ser meio de vida.

Não pode ser profissão.

Não pode ser a saída para a sobrevivência. Para ninguém. Ela é a mais nobre das atividades humanas, e por isso não deve ser objeto de negócio. Como costumar dizer o nosso Waldir Pires, aí se transforma em politicalha, que quase rima com canalha, com pragmatismo rasteiro, com a ausência de horizontes transformadores.

Para que então fazer política? Vale à pena?

Quem disse que não podemos tocar a vida e simultaneamente fazer política?

Quem disse que para fazer política é preciso ser remunerado para dedicar-se exclusivamente a ela?

Por que um professor não pode ser um extraordinário militante? Ou um médico? Ou um operário? Ou um feirante? Ou um sem-terra? Ou um soldado? Ou uma enfermeira? Uma dentista? As pessoas devem ter seus caminhos, suas opções profissionais, sua inserção na sociedade, e construí-los de modo solidário com o resto da humanidade, ao lado e junto com sua comunidade, fazendo política, militando, por que não?

A afirmação na vida política depende também da afirmação na comunidade, na sua cidade, onde quer que você viva. Não se deve estimular o surgimento dessa espécie estranha – o profissional da política, salvo como excepcionalidade. Esse profissional torna-se um ser estranho à sociedade, apartado dela, por mais que tente se integrar.Vai se desintegrando, no sentido de afastar-se da sociedade e, também, no sentido de perder os horizontes de sua própria vida, ao menos do meu ponto de vista. Não foram poucas as vezes que fiz essa discussão com tantos companheiros e companheiras que caminham comigo.

Esse raciocínio que tornou a política um balcão de negócios vai tornando dramático o problema do financiamento das campanhas. Sei, claro que sei, que dependemos muito de uma reforma política para mudar radicalmente essa cultura política.

Mas não podemos, na ausência dessa reforma, pura e simplesmente nos quedar, sucumbir diante desse pragmatismo que nos empobrece, nos embrutece, nos tolda a visão, nos afasta dos projetos revolucionários, nos afasta muitas vezes dos nossos próprios objetivos programáticos, e aqui falo dos objetivos generosos, democráticos e socialistas do nosso partido, o PT.

Com ou sem reforma política, devemos fazer uma luta cultural permanente contra essa mercantilização da vida política.

Se quisermos continuar a defender a dignidade da política, sua capacidade civilizatória, mediadora, temos também que insistir em sua generosidade, na capacidade de mulheres e homens, jovens e idosos, de se entregar ao objetivo de melhorar o mundo.

Se não somos capazes de fazer isso, não estaremos fazendo política. Estaremos nos entregando ao deus-mercado, à privatização da política, à lógica do toma-lá-dá-cá. São os ideais, os projetos de mudança, os projetos de revolução, para nós, da esquerda, que devem nortear nossa vida e nossa inserção na vida política. Se não é isso, então para que fazer política?

Sei que há muitos que pensam como eu. Felizmente.

Convoco a todos, do meu partido e de outros partidos de esquerda, para essa luta.

Se não conseguirmos mudar essa lógica, as ideias socialistas, democráticas, nossos sonhos de uma sociedade que seja acolhedora para todos, poderão ir para o ralo. Para que tais idéias se afirmem, é preciso acreditar em utopias, em entrega desinteressada, em sonhos, esperança, política.

Voltar à política, à militância na defesa dos nossos sonhos por um outro mundo, que é sempre possível. Mas, depende de nós. Do ressurgimento, afirmação da militância. Se não é isso, então para que fazer política?

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