A midiotização e a oligarquia subversiva.

O viés político-ideológico dos governos Jango e Dilma nunca foi de implementação do socialismo, nem sequer em sua versão mais modesta e moderada, mas tão somente, como diz Moniz Bandeira sobre o Governo Jango, que pretendia “reformas democrático-burguesas e tendiam a viabilizar o capitalismo brasileiro, embora sobre outros alicerces, arrancando-o do atraso e dando-lhe maior autonomia” (1977, p. 164). Quem conseguiu transformar esta política em um monstro comunista capaz de ameaçar até mesmo o colosso imperial do Norte? Quem realizou a proeza de implantar isto na cabeça de muitos brasileiros para justificar o golpe de Estado de 1964? No caso de Dilma, ainda no primeiro semestre de 2015, foi implementada política econômica conduzida pelo então Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mago e homem da confiança do “mercado”, conhecido como “mãos de tesoura”, apelido que bem identifica a sua filiação ideológica ultraneoliberal. Como, então, a Presidente foi crucificada por setores ultradireitistas como praticante de políticas de tendências “comunistas”? Tanto em 1964 como em 2016 as forças operantes não agiram pelos motivos declarados, mas por outros, muito distintos. Em ambos os casos a mídia agiu de forma definitiva para, conforme os recursos técnicos de cada época, redefinir o campo da realidade e, assim, obter a mínima legitimação para a violação da ordem democrático-constitucional.
Do ponto de vista político em 2015, soa óbvio, as concessões do Governo Dilma ao executar as políticas neoliberais do “mãos de tesoura” eram um sinal de tentativa de pacificação dos ânimos, movimento conciliatório por parte de um Governo enfraquecido e sem contato profundo com as suas bases naturais que tampouco sentiam estímulo a defendê-lo com a energia que o momento requeria, algo que hoje muito bem sabemos qual foi o preço. Naquele momento a tentativa de um movimento de condescendência ou negociação parecia já estar fadada ao fracasso, eis que o objetivo do grupo conspirador ao qual pertencia o Vice-Presidente Temer já estava definido, e o objetivo era desestabilizar o Governo para, ato contínuo, derrubá-lo. O que estava em causa, portanto, o “problema”, nunca foi a “política econômica” – que foi utilizada como mero pretexto político –, mas sim, o alvo, era duplo: neutralizar institucionalmente a perseguição aos corruptos que colonizaram as estatais e estavam por ser desbaratados um a um sem que o Governo Dilma empregasse qualquer esforço para frear as instituições e protegê-los. E o segundo objetivo era continuar enchendo os bolsos.
Este é o maior assalto da história universal com apoio da grande mídia para persuadir de que dias inebriantes estão a caminho do povo sem saúde, educação ou aposentadoria que ocorreu com o apoio das instituições centrais. Deu-se com apoio do Poder Judiciário que se encolhe e acovarda atrás de sucessivos carimbos e canetadas supostamente legalizando o ilegalizável, pois o sangue de todas as vidas humanas que perecerem de um modo ou outro estarão todas as noites na memória de todos estes homens que se apequenaram dentro de suas togas e recheadas carteiras com gordos vencimentos. Deu-se com não menos intenso apoio do Poder Legislativo, que acorreu com velocidade ímpar para sacramentar com uma legitimidade que não possui a todos os atos políticos trituradores do povo para os quais o combinado já está à sua espera em algum malsinado e discreto lugar. O Poder Executivo é a cabeça mal-pensante e malsinada de uma estrutura de fazer sofrer em curso no Brasil, dirigida de forma terceirizada por tão pequeno homem que a história o tragará como apenas com os minúsculos moluscos é capaz de fazer.
Corta para 2014. Todo o processo de subversão da ordem teve lugar há muito tempo, logo após o pronunciamento do resultado das urnas, e consistiu em um discurso de raiva e ódio de Aécio Neves, desenhando do cenário político que se abateria sobre os destinos do país. Ali evidenciava todo o seu oceânico desprezo pelas instituições democráticas, nomeadamente, pelas urnas, ao prometer que Dilma não governaria, esquecendo-se e passando por cima de que isto era muito menos um ataque contra a Presidente do que contra o futuro de todo o país que pretendera governar. Sabendo ou não, foi ali que o homem Neves definitivamente enterrou e fez pó de sua carreira, isto sim, mais cedo do que muitos dos seus contemporâneos. Revelou ali o quilate de seu despreparo e destempero político, mas também o quão intenso é o seu desapreço pelo processo eleitoral, pela cidadania e, sobretudo, não pelos 54 milhões de votantes em Dilma, mas pelo conjunto dos cidadãos que, democratas, participaram do processo eleitoral e que em caso de derrota não desejariam mais do que o cumprimento do resultado das urnas.
Mas o homem mineiro que despreza a democracia e as suas instituições não pensava assim, e reagiu como o faria o pior infante, o mais birrento dos birrentos-brigões burgueses de péssimos modos, como um deseducado e arrogante aristocrata mimado cuja deselegância sobressai ao vestir caríssimas grifes deseja fazer com que o mundo acorra velozmente para satisfazer os seus caprichos, impondo o giro da roda na direção que o seu arbítrio prepotente ordene a qualquer hora do dia ou da noite, que para alguns espíritos entrevados parece nunca terminar. Eis que conhecer a derrota para ele passou a ser o ânimo atroz para impedir os melhores rumos para o próprio país que lhe impedira o acesso à cadeira presidencial, e assim tanto fez e atacou, terras e mares moveu e agitou, que mobilizou as forças de energúmenos dormentes para, assim, subverter a ordem democrático-constitucional.
Quando um ataque de tal magnitude é realizado e entorpece toda a vida política de um país e compromete radicalmente a vida de seus homens e mulheres, então, o que se pode esperar é que tal seja não apenas noticiado pela grande mídia, mas que seja sério objeto de debates a partir de todos os ângulos reflexivos de toda a sociedade e nunca por apenas um certo segmento dela. Mas o que está em causa é que o Brasil todavia conta com empresas de comunicação operantes ao velho estilo dos senhores de engenho que hoje operam as ondas eletromagnéticas e as rotativas. Operam segundo a lógica da década de 1960 quando o golpe militar foi gestado por civis e perpetrado pela farda verde desavergonhada de seu genuíno compromisso com a legalidade constitucional, então sob o intenso apoio da grande mídia platinada tanto em seu nascedouro e, momento seguinte, para consolidar o golpe enquanto os urros de dor sacudiam corpos e paredes inteiras das prisões, provocados por ensandecidas e moncosas figuras que mesmo a divindade duvidaria tê-las criado algum dia, enquanto que do lado de fora dos muros os ruídos eram silenciados pelas vozes dos locutores falsificando informações sobre o estado geral da nação.
Depois de muito sangue escorrer e a todas as gotas ocultar, veio o pedido de desculpas, mas décadas após, tão somente, e já sem a possibilidade de limpar a grande mancha de sangue derramado sobre o seu logotipo brilhante, marca indelével que carrega consigo todos os nomes dos torturados e de todos os mortos que ajudou a ocultar. Hoje, novamente, mais ocultações de verdades que já começam a matar, mas já chegará o momento em que pedirão novo perdão. Claro está, o povo saberá dizer rotundo “não” a mais um insincero pedido de desculpas, tão tardiamente que já pouco tempo depois aplicaram a segunda subversão da ordem constitucional democrática, e mesmo o mais ingênuo despertará, pois do que se trata aqui e agora é do sacrifício de milhões de vidas de trabalhadores e trabalhadoras. A mídia brasileira não encontrará espaço para o perdão em mais esta grande traição à nação, e a sua sentença de morte foi assinada durante todo este período de ocultação de cadáveres, verdades e dores, e de agora em diante, é preciso ecoar que é apenas uma questão de tempo para que estas famílias que vivem no fausto às custas da miséria, impudicas, conheçam o fim de seus impérios construídos e operados à sombra do interesse, do respeito e da memória pública.
A grande mídia através das rádios, jornais e revistas, bem como das televisões, em conjunto, redesenhou e construiu uma narrativa paralela a concretude do mundo real. Nesta sua interessada falsificação do mundo, tudo quanto era decente foi descrito e transformado em pura corrupção, alto e bom som, letras garrafais e imagens ininterruptamente veiculadas; já o genuíno corrupto de todas as vidas que possa ter vivido, desde o seu estado larval, foi alvo do silêncio mais profundo e todas as suas aventuras malsinadas devidamente ocultadas, mas que, como que magicamente, em certo momento começaram a ecoar para, agora, provocar barulho alucinante como os de fantasmas que se erguem à noite a apontar o dedo contra os seus assassinos. Dos Estados ao Distrito Federal, a aventura é sabida, os homens têm o seu passado bem conhecido, mas a mídia tem os seus escolhidos para tocar o seu singular projeto econômico onde a política é apenas instrumento servil. Não bastam informações e provas para que a grande mídia noticie, pois apenas o fará quando os seus interesses financeiros assim aconselhem.
Em outro contexto, até os minerais das grandes Minas Gerais sabiam qual o pedigree do capitão do golpe. O homem Neves, cuja alcunha de “Mineirinho” – certamente não desconhecida pelo bem informado Marinho – passou meses à fio acusando o governo popular de seus próprios e inexcusáveis pecados, dedo em riste, voz empostada, gomalina a postos e olhar longínquo vibrante pousando de impoluto. Apenas muito tempo depois, pela conjunção de astros que as melhores cartomantes não decifram, é que a grande mídia platinada divulgou a capivara, aliás, extensa. A ordem até então era a de fechar os olhos, os microfones, as câmeras e todos os espaços nos textos para qualquer tipo de denúncia contra a grande corja conspiradora, e nem mesmo uma gravação secreta de límpida confissão do golpe adiantaria, pois a grande mídia não estava interessada na verdade e nem na confissão de subversivos da ordem democrático-constitucional apoiados por ela.
A grande mídia estava decidida a voltar às suas origens, reviver os idos de 1964 e embrenhar-se pelas obscuras vielas da deposição de governos populares e patrocinar mais um golpe contra o Brasil juntamente com os seus velhos sócios do alto baronato paulistano subversivo dentre outros mais que a segunda classe rejeitaria. Sabemos com certeza que o vício dos golpistas, bem mais cedo que outros, os fará ao pó retornar, pois as dores da comissão do mal ecoam profunda, dolorosa e fatalmente, ainda que tarde. O crepúsculo os alcançará ainda antes do que o alvorecer à nação brasileira, e neste encontro de contas a luz se fará para o povo a expensas da longa noite que embalará os homens que golpearam apenas momentaneamente os destinos do povo brasileiro que por via da ação prática de resistência logo retomará o poder daqueles que o estão violando tão agudamente. A dor não dura para todo o sempre, mas para exercer o seu legítimo direito de defender a si e aos seus, cabe a todos os homens e mulheres abreviá-la.

Roberto Bruno é Prof. Pós-Doutor. Faculdade de Direito. UnB (CT).

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