Mas Zefinha, mesmo vivendo no século XVIII no quesito religiosidade, está antenada nas notícias da política e tem seu candidato de estimação desde que ele se tornou presidente. Como gosta de repetir em alto e bom tom: “mudou a vida do povo pobre”. Principalmente dos nordestinos que hoje, orgulhosos, enchem o peito e dizem: “nos respeitem, pois o melhor presidente que este país já teve e tem é da nossa região”.
Ela, como boa cristã, tem seu grupo de amigas que já
passaram dos cinquenta. A turma se encontra para ir juntas à igreja e aproveita
para colocar as conversas em dia. Falam dos filhos que tiveram de sair da
cidade em busca de emprego, dos que hoje estudam em faculdade graças ao ENEM –
Exame Nacional do Ensino Médio, das filhas que insistem em namorar homens “sem
futuro” e dos maridos, os que ainda estão vivos, invariavelmente criticados por
não fazerem mais nada que preste.
Na era da polarização política, até mesmo as amigas
religiosas acabam se envolvendo em polêmicas, como se fossem parte de torcida
organizada. Naquele domingo, Maria do Rosário resolveu puxar um assunto que
circulava nos grupos de WhatsApp das tias. Disse de forma provocativa que “quem
vota no Lula não vai pro céu”. Pronto, estava criada a divisão entre as carolas,
deu-se o início da terceira guerra mundial. Zefinha ficou arretada, abandonou
as amigas e atravessou a rua em silêncio, sendo seguida por algumas das carolas.
De longe se ouvia os passos delas.
– Tá vendo o que você fez? – sussurrou outra amiga,
repreendendo Maria, que manteve o que disse e não pediu desculpas.
As amigas foram à igreja, assistiram à pregação do Padre
Inaldo como em todos os domingos. Mas, pela primeira vez, a catedral se dividiu
em dois grupos. A polarização havia chegado até ali.
Incomodada, Zefinha já não conseguia dormir direito. A fala
de Maria, de que votar em Lula significava perder a salvação, a deixava triste
e preocupada. Não queria abrir mão do voto, mas também não queria perder o céu.
Sua devoção, mesmo amando o trabalho do “seu presidente”, parecia não ser
suficiente se isso significasse o caminho do inferno.
Decidida, procurou o padre para uma confissão. Entrou na
igreja pronta para expor seu temor e cumprir o que o sacerdote determinasse.
Estava preparada para rezar centenas de Ave Marias e Pai Nosso, penitência
comum na Igreja Sagrada Família, que na praça principal da cidade de cinco mil
habitantes.
Ajoelhou-se no confessionário diante do padre, que já ouvira
histórias de maridos pulando a cerca, filhas enrabichadas por moleques sem
futuro e carolas com pecados quase inconfessáveis.
– Padre – sussurrou Zefinha, com a voz embargada.
– Diga, minha filha – respondeu o padre, no tom
habitual.
– A Maria do Rosário me disse, dias atrás, que eu não vou
para o céu.
O padre virou o rosto rapidamente e perguntou:
– E por que ela disse isso a você?
– Porque quem vota no Lula comete pecado e não vai para o
céu – disse Zefinha, já com lágrimas nos olhos.
– Isso é coisa de quem não tem o que dizer. Volte a ela e
diga que o padre Inaldo também é eleitor do Lula. Quem vai direto para o
inferno é quem defende a morte de outros cristãos, quem usa o nome de Deus em
vão, quem expulsa pessoas de uma cidade só porque são pobres. Minha filha, quem
vai para o inferno é vota em Bolsonaro e quem nega o cristianismo e separa
famílias com mentiras.
Zefinha abriu um sorriso, limpou as lágrimas e, desta vez,
nem perguntou qual seria sua penitência. Apressou os passos em direção à porta
da igreja, de onde só se via seu vulto. Pobre da Maria do Rosário quando
Zefinha a encontrar.

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