Adriano Pires, conhecido analista que defende os interesses
das empresas internacionais de petróleo no Brasil, termina seu artigo no blog
Poder 3601 com uma frase de Lulu Santos:
“Tudo passa, tudo sempre passará”.
Ele parece esquecer as duas frases anteriores desta na bela
canção “Como uma onda”:
“Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia”
Adriano Pires, da mesma forma que vem fazendo desde a década
de noventa do século passado, quer continuar defendendo na política petroleira
e para o gás tudo do jeito que já foi um dia.
Propõe o aprofundamento da atual política de desmonte do
aparato produtiva do Estado no setor de petróleo e gás, com a manutenção do
calendário das rodadas de entrega das áreas, extinção do modelo de partilha,
redução da política de conteúdo local, redução de royalties dos campos maduros,
aceleração das licenças ambientais, manutenção da venda das refinarias,
aumentar impostos sobre os preços dos derivados para arrecadação fiscal, com a
redução dos preços nas refinarias.
Mas “nada do que foi feito será de novo do” velho jeito.
Manter o calendário das rodadas neste momento vai exigir uma profunda redução
de bônus de entrada e aceitação de baixas participações no lucro-óleo,
entregando as riquezas futuras para as empresas internacionais a preços
extremamente baixos. O mercado internacional está contraindo seus investimentos
exploratórios e só “oportunidades excelentes” – para as empresas internacionais
– atrairão investimentos neste momento.
Ao contrário, deveríamos retardar as rodadas, para esperar
momentos melhores momentos e eventualmente obter maiores recursos de curto
prazo, para compensar a entrega de riquezas de longo prazo.
A proposta de extinção do modelo de partilha só se justifica
se a intenção for realmente reduzir a parcela do governo na renda petroleira e
aumentar a parcela dos ganhos para as empresas internacionais. Elas estão
acostumadas a trabalhar, tanto com contratos de partilha de produção, como com
concessões, - e até com contratos de serviço, - movendo-se pelas oportunidades
de acesso a potenciais reservatórios, em função da economicidade esperada em
cada momento. A partilha de produção não transfere a propriedade do petróleo
para o produtor, enquanto na concessão esta transferência é efetivada. A
questão essencial é o grau de controle estatal sobre a produção nos dois tipos
de contrato: a partilha permite maior controle estatal. Adriano Pires quer
menos.
No que se refere à política de conteúdo local, não há
dúvidas sobre as dificuldades da engenharia pesada nacional e sua capacidade de
fornecer os equipamentos e serviços necessários para o gigantesco desafio de
expansão da produção do pré sal brasileiro. A situação econômica das empresas,
preços declinantes e crises de financiamento, além dos efeitos da operação Lava
Jato sobre a viabilidade física da existência destas empresas, requerem uma
certa adaptação desta política, mas não seu desaparecimento, ainda que
gradativo, como sugerido pelo autor.
As vendas dos campos maduros, em terra e no mar, serão ainda
mais estimuladas com a redução dos royalties cobrados. Acredito que esta
proposta de redução, “inclusive de forma retroativa”, tem mais como objetivo
mais facilitar as vendas dos campos maduros da Bacia de Campos, do que do
nordeste brasileiro. Em termos de fluxo de caixa, aqueles com resultados
positivos não deveriam sequer estar sendo colocados à venda neste momento. Por
outro lado, no Nordeste, os ganhos financeiros deste desinvestimento serão
muito pequenos em relação ao enorme impacto negativo sobre as economias
regionais.
A aceleração das licenças ambientais, apesar de reivindicado
pelas empresas, tem provocado o aumento dos riscos ambientais com consequências
imprevisíveis. A melhoria dos seus procedimentos deveria ser a meta e não sua
pura e simples aceleração.
Na contramão do mundo, o autor parece estar de pires na mão,
querendo manter o programa de venda das refinarias, em uma conjuntura de
profunda incerteza sobre a dinâmica futura do mercado, com as empresas com
problemas de caixa e com o mercado brasileiro se contraindo. As vendas serão na
bacia das almas e o capital investido será destruído, com sua transferência da
propriedade destas refinarias para os compradores a preços muito baixos.
Quanto aos preços dos derivados, a ideia de um colchão
regulador dos preços já foi tentada no Brasil, com a CIDE, e talvez a melhor
política fosse a manutenção da integração vertical da empresa estatal
Petrobras, uma política amortecida de ajuste dos preços internos aos preços
internacionais e o acompanhamento cotidiano do comportamento dos preços nas
bombas para ajustar a política de preços da companhia.
Por fim, a dissonância de Adriano Pires se apresenta também
na sua análise macroeconômica. Para ele, as disputas geopolíticas da Arábia
Saudita-Rússia e EUA são meras “desavenças” e a crise mundial vem somente da
crise do coronavirus na China. Esquece os sinais, anteriores a atual pandemia,
da tendência de contração da atividade econômica, expansão de uma bolha
especulativa devido ao acúmulo dos ganhos financeiros, concentrador dos enormes
fluxos econômicos do mundo.
Quanto ao Brasil, vale a pena continuar com a canção de Lulu
Santos:
“Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora”
A crise brasileira não vem principalmente da crise externa.
Ela se agrava pela falta de política econômica adequada do atual governo, numa
fé cega na ideologia do mercado, que abandonou as possibilidades de intervenção
produtiva das políticas públicas, que desmontou os instrumentos de política
social e que, no momento da pandemia, atrasa a implantação dos instrumentos
emergenciais aprovados pelo Congresso, com o apoio dos governadores, e a
resistência do governo de Bolsonaro.
Querer fazer mais do mesmo, quando o mundo está em
frangalhos, só fará agravar a crise. Isto vale para o mundo, para o Brasil e
especialmente para o setor de petróleo e gás.
Por: Jose Sergio Gabrielli de Azevedo.
Tá na internet.
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