Adoecemos a Terra e a Terra nos adoece. (Por Leonardo Boff)

De uma ou de outra forma, todos nos sentimos doentes física, psíquica e espiritualmente. Há muito sofrimento, desamparo, tristeza e decepção que afetam grande parte da humanidade. Já o dissemos aqui: da recessão econômica passamos à depressão psicológica. A causa principal deriva da intrínseca relação existente entre o ser humano e a Terra viva. Entre ambos vigora um envolvimento recíproco.

Nossa presença na Terra é agressiva, movemos uma guerra total à Gaia, atacando-a em todas as frentes. A consequência direta é que a Terra adoece. Ela o mostra pela febre (aquecimento global), que não é uma doença, mas aponta para uma doença: sua incapacidade de continuar a nos oferecer seus bens e serviços naturais. A partir de 2 de setembro de 2017 ocorreu a Sobrecarga da Terra, vale dizer, as reservas da Terra chegaram ao fundo do poço. Entramos no vermelho. Para termos o necessário e, pior, para mantermos o consumo suntuário e o desperdício dos países ricos, devemos arrancar à força seus “recursos” para atender as nossas demandas. Até quando a Terra aguentará? A consequência será que teremos menos água, menos nutrientes, menos safras e os demais itens indispensáveis para a vida.

Nós, que consoante a nova cosmologia, formamos uma grande unidade, uma verdadeira entidade única com a Terra, participamos da doença da Terra. Pela agressão aos ecossistemas e pelo consumismo, pela falta de cuidado da vida e da biodiversidade adoecemos a Terra.

Isaac Asimov, cientista russo, famoso por seus livros de divulgação científica, escreveu um artigo a pedido da revista New York Times (do dia 9 de outubro de 1982), por ocasião da celebração dos 25 anos do lançamento do Sputnik que inaugurou a era espacial, sobre o legado deste quarto de século espacial. O primeiro legado, disse ele, é a percepção de que, na perspectiva das naves espaciais, a Terra e a humanidade formam uma única entidade, vale dizer, um único ser, complexo, diverso, contraditório e dotado de grande dinamismo, chamado, pelo conhecido cientista James Lovelock, de Gaia. Somos aquela porção da Terra que sente, pensa, ama e cuida.

O segundo legado, consoante Asimov, é a irrupção da consciência planetária: a Terra é o grande objeto do pensamento e não mais as nações. Terra e Humanidade possuem um destino comum. O que se passa num se passa também no outro.  Adoece a Terra, adoece juntamente o ser humano; adoece o ser humano, adoece também a Terra. Estamos unidos pelo bem e pelo mal.

Mas também ocorre o inverso: sempre que nos mostramos mais saudáveis, cuidando melhor de tudo, recuperando a vitalidade dos ecossistemas, melhorando nossos alimentos orgânicos, despoluindo o ar, preservando as águas e as florestas, é sinal que nós estamos revitalizando a nossa Casa Comum.

Segundo Ilya Prigogine, cientista russo-belga, prêmio Nobel em química (1977), a Terra viva desenvolveu estruturas dissipativas, isto é, estruturas que dissipam a entropia (perda de energia). Elas metabolizam a desordem e o caos (dejetos) do meio ambiente, de sorte que surgem novas ordens e estruturas complexas que se auto-organizam, fugindo à entropia e, positivamente, produzindo sintropia (produzindo energia) [Order out of Chaos, 1984].

Assim, por exemplo, os fótons do sol são, para ele, inúteis, energia que escapa ao queimar hidrogênio do qual vive. Esses fótons, que são   desordem (rejeito), servem de alimento para a Terra, principalmente para as plantas quando estas processam a fotossíntese. Pela fotossíntese, as plantas, sob a luz solar, decompõem o dióxido de carbono, alimento para elas e liberam o oxigênio, necessário para a vida animal e humana.

O que é desordem para um serve de ordem para outro. É através de um equilíbrio sutil entre ordem e desordem (caos) [Dupuy, Ordres et Désordres, 1982] que a vida se mantem [Ehrlich, O mecanismo da natureza, 1993].  A desordem força a criação de novas formas de ordem, mais altas e complexas, com menos dissipação de energia. A partir desta lógica, o universo caminha para formas cada vez mais complexas de vida e, assim, para uma redução da entropia (desgaste de energia).

A nível humano e espiritual, se originam formas de relação e de vida nas quais predomina a sintropia (economia de energia) sobre a entropia (desgaste de energia). A solidariedade, o amor, a compaixão, o pensamento, a comunicação são energias fortíssimas com escasso nível de entropia e alto nível de sintropia. Nesta perspectiva temos pela frente não a morte térmica, mas a transfiguração do processo cosmogênico, que se revela em ordens supremamente ordenadas, criativas e vitais.

Quanto mais nossas relações para com a natureza forem amigáveis, e as relações entre nós forem cooperativas, mais a Terra se vitaliza. A Terra saudável nos faz também saudáveis. Curamo-nos conjuntamente.

Leonardo Boff escreveu “Opção Terra: a solução da Terra não cai do céu”, Vozes 2009.

Por Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.

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