Quando um menino se transforma em um homem.

Era mais ou menos 13h quando eu e o companheiro Inácio Catingueira fomos presos pela policia federal no pátio do posto de combustível Oasis. Nós tínhamos saído do Sindicato dos Eletricitários, que ficava na Rua São Francisco na cidade de Paulo Afonso na Bahia. Naquele ano, os trabalhadores do setor elétrico tinham deflagrado a maior e mais longa greve já vista no nordeste.

Foi também a primeira vez em que eu tive contato direto com a política. Eu participava de um grupo jovem da Igreja Católica e como muitos estudantes da época, fui convidado a ajudar na organização e apoiar o movimento grevista. E aceitei essa empreitada.

Após dias e noites na sede do sindicato ajudando na divulgação do movimento, em uma tarde ensolarada, Inácio Catingueira me chamou para acompanhá-lo. Ele me disse que queria ir ver sua filha. Teria acontecido algo com ela, e ele queria vê a menina. A conversa dentro do sindicato era a de que tinham policiais infiltrados entre a multidão. Para mim, naqueles dias, isso soava como aventura. Eu não tinha a menor idéia do que realmente isso poderia significar. Quando saímos do prédio, percebemos que algumas pessoas nos seguiam, mas não imaginávamos quem poderia ser. Ao abrir a porta do carro que tinha ficado na Avenida Getulio Vargas, nós fomos surpreendidos por três pessoas que deram voz de prisão. Lembro que um amigo passava do outro lado da rua e eu gritei pedindo para ele vir ate onde estávamos. Um dos policiais quis pegar a chave do carro e eu não entreguei. Entrei-a ao meu amigo e pedi que ele avisasse no sindicato que estávamos sendo presos.

Fomos levados primeiro ao aeroporto da cidade e só depois ao Batalhão da Policia Militar. Nós passamos mais de dez horas presos em uma sala. E de lá ouvimos muitas conversas que eram transmitidas pelo rádio. Lembro que em um momento muito tenso, alguém deu a ordem de invasão da sede do sindicato. Na ocasião a correria foi grande pelo corredor onde ficava a sala. Não demorou muito tempo e percebemos que o quartel ficou com poucas pessoas. Eu cheguei a falar com Inácio de que poderia pular a janela e correr pelo campo de futebol que ficava em frente. Seria a oportunidade de avisar o que iria acontecer. Naquele momento ele me pediu para não o deixar só. Acho que foi nesse momento que me senti agente político pela primeira ves.

Horas depois, soubemos da invasão e vimos comemorações sendo feitas por policiais, que se vangloriavam de terem espancado as pessoas.

Após sermos ouvidos, interrogados e termos mentido muito a eles, fomos soltos por volta da meia noite e meia. Lembro que descemos a Rua Otaviano Leandro de Moraes. Eu estava indo com Catingueira ate a casa dele, para depois ir para a minha. Mas no meio do caminho encontrei vários companheiros estudantes, que participavam do grupo de apoio a greve. Eles estavam jantando em um bar restaurante que ficava por trás do posto avenida. Pedi para que nos dessem carona, e assim foi feito. Deixamos Inácio Catingueira na casa dele e seguimos ate minha casa.

E foi para contar o que aconteceu em casa, que contei antes tudo isso a vocês. Quem nos recebeu foi meu pai e minha mãe. Acordaram preocupados, eles tinham me procurado o dia todo e ate no batalhão tinham ido, e eles lá negado tudo. Mas foram avisados por um policial de que nós estávamos lá. Eles conseguiram que Padre Mário, (naqueles dias ele ainda era Padre), fosse lá nos procurar. O pessoal tinha me dito que iriam passar a noite pichando os muros convocando a população para a missa do dia seguinte, era o domingo, e eu me lembro de ter dito que essa gente precisava da minha ajuda. Eu ate hoje não esqueço o que ouvi da minha mãe. “Se eles precisam de sua ajuda, vá, mas tenha cuidado com o que pode acontecer”. Eu tinha acabado de sair da cadeia, era um garoto ainda, com sonhos que vivem em mim ate hoje. Meus pais não devem ter a noção da importância que aquele encontro e aquele conselho tiveram para a formação do meu caráter e da minha vida. Eu vivo a agradecer a eles por tudo o que fizeram por mim, e por terem permitido que eu pudesse participar da transformação da história do meu país.

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