Que sociedade estamos deixando para os nossos filhos?

Na sexta-feira (07) eu estive no Bairro Perpetuo do Socorro em Paulo Afonso na Bahia para cobrir a tentativa de suicídio do senhor José Carlos. Ele estava em uma torre de telefonia e ameaçava se jogar de lá. Logo que cheguei àquele local eu percebi que a “loucura” do ato não tinha a menor importância para a grande maioria dos curiosos ali presentes. Que era formado por muitas crianças. Muitas delas tinham saído de suas escolas para verem “o homem que queria se matar”.

Desde o primeiro minuto eu ouvi pessoas gritando para o rapaz pular. Isso mesmo! As frases, conforme passavam as horas ficavam mais agressivas em suas cobranças. Senhoras com crianças de colo gritavam para que ele pulasse para a morte. Elas eram seguidas por boa parte das crianças que também queria ver alguém se matar. E homens que devem ter filhos em suas casas, eram os que mais incitavam aquele jovem a cometer o suicídio.

Em alguns momentos se ouviram frases agressivas contra o rapaz. “Pula daí negrão. Ou quando tu descer nós vamos te linchar”. E este circo todo era visto e ouvido por aquelas crianças que repetiam o que ouviam em forma de algazarra. Muitas vezes essas crianças sentavam no meio fio, em frente do local onde estava o suposto suicida. A cena lembrava um picadeiro de circo, com risos e gritos de felicidades, na expectativa de que o que se passava no picadeiro conseguisse chegar ao final conforme o que se desenhava na cabeça daquelas crianças. A morte de um ser humano era o motivo da comemoração e eles estavam esperando para aplaudir a cena final.

Mas que sociedade é essa que estamos construindo e vamos deixar para os nossos filhos e as nossas crianças? Uma sociedade onde se aplaude a morte de uma pessoa, por puro instinto cenográfico? Os mais velhos incitam, gritam, pedem que um corpo caísse pra poder ter o que contar aos amigos e familiares. E as crianças em sua “inocência” gritavam entusiasmadas para verem um corpo se jogando de uma torre. Se é isso que estamos deixando para nossas crianças, saibam que estamos formando uma sociedade sem sentimentos e isto poderá criar verdadeiros “monstrinhos” que não amam nem odeiam, simplesmente serão desprovidos de emoção.

Naquelas horas em que eu estive lá, uma música não saiu da minha cabeça. Era “João do Amor Divino” de Gonzaguinha. “... povo lá embaixo olhando o seu relógio. Exigia e cobrava a sua decisão”. E muitos pediam para ver o corpo de José cair para que pudessem comemorar. E ainda bem que Deus tocou aquele coração e ele pôde continuar a sua vida, agora com a ajuda daqueles que passaram horas demovendo-o de pular para a morte.

"Agora ri da multidão executiva quando grita:
"Pula e morre, seu otário"
Pois como tantos outros brasileiros
É profissional de suicídio
E defende muito bem o seu salário". (Gonzaguinha)

Nenhum comentário: