Tá na internet: Quais são as motivações de Bolsonaro ao puxar o cinema nacional para perto de si?
Presidente dá sinais de que deseja interferir no tipo de filme que se produz. O que é contra os princípios de distribuição de dinheiro público
As notícias sobre as mudanças na estrutura institucional sobre a qual se apoia o cinema brasileiro foram recebidas com um misto de desespero e espanto pelo setor. Desespero ante as ameaças de que o edifício normativo erguido nas duas últimas décadas comece a ruir. Espanto diante das incongruências presentes num texto, originado num blog, que teria induzido Jair Bolsonaro a questionar os princípios da política audiovisual.
Na manhã desta quinta-feira, temia-se a extinção da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Mas, ao longo do dia, foi ficando claro que tal medida era improvável. Primeiro, porque a dissolução de uma agência reguladora tem de passar pelo Congresso Nacional. Depois, porque o próprio governo acabou por anunciar a transferência do Conselho Superior de Cinema (CSC) do Ministério da Cidadania para a Casa Civil . Isso significa, na prática, que o Conselho, encarregado de formular e monitorar a política, passa a ficar mais perto do presidente.
A mudança não é algo que Bolsonaro tenha tirado da cartola. O texto original da MP 2228-1, de 2001, que fornece as bases da política em vigor, estabelecia um tripé composto pelo CSC, pela Ancine e pela Secretaria do Audiovisual (SAv). Cada órgão tinha uma função e ficava subordinado a um ministério: o Conselho, na Casa Civil, a Ancine, num ministério da área econômica, e a SAv, no Ministério da Cultura (MinC) — hoje incorporado à Cidadania. Mas o governo Lula, ao assumir, deixou as três estruturas sob o MinC.
Ou seja, a medida retoma a estrutura original do projeto que criou a Ancine. A grande questão são as motivações por trás da medida. O próprio Bolsonaro já dá sinais de que puxou o Conselho para mais perto de si porque deseja interferir no tipo de filme que se produz. Tal posicionamento vai, inclusive, contra os princípios legais da distribuição de dinheiro público, que não pode impor barreiras temáticas ou julgar conteúdos.
Apesar de o texto do blog que supostamente inspirou Bolsonaro propalar, em tom de denúncia, que a Ancine apoia obras com temática transexual ou indígena, o fato é que a agência dá suporte a todo tipo de produção. É fácil encontrar, entre os contemplados com recursos públicos, filmes e séries religiosos ou policiais. Houve, por exemplo, na década passada, uma onda de filmes espíritas; neste ano, a agência aprovou a superprodução “Assembleia de Deus — O filme”, sobre um casal de missionários suecos que, no início do século XXI, chega a Belém para instalar a congregação.
Para além dessa aparente ameaça de interferência nas obras, a reordenação institucional é preocupante pelo fato de que, desde o início do ano, a Ancine vem passando por um processo de fragilização.
Em abril, o Tribunal de Contas da União questionou o modelo de prestação de contas da agência, levando à paralisação parcial das atividades. Desde janeiro, aguarda-se a publicação do decreto da Cota de Tela, que estipula um determinado número de dias obrigatórios para que os cinemas exibam filmes brasileiros. Há dois meses, o ministro Osmar Terra assinou o decreto; mas sua publicação no Diário Oficial da União depende da assinatura presidencial.
Depende também de uma assinatura do presidente a definição do CSC, cuja composição foi refeita no fim de 2018, mas jamais oficializada. E não é só o Conselho que está esvaziado. O Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que decide como alocar os recursos do FSA, aguarda a escolha de novos nomes; e uma das quatro cadeiras da diretoria da agência está vaga.
É pela ocupação desses vazios (não só de lugares) que deve se dar, a partir de agora, a grande batalha política, econômica e cultural do audiovisual brasileiro.
Por Ana Paula Sousa - jornalista, é doutora em Sociologia da Cultura pela Unicamp.
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