Nosso intestino é povoado por trilhões de micro-organismos,
entre bactérias, fungos e vírus --a chamada microbiota intestinal.
Essa população de inquilinos que vive no nosso corpo tem uma
variabilidade grande - as espécies mudam de acordo com os hábitos alimentares e
o estilo de vida de cada ser humano. Justamente por isso, esses
micro-organismos podem ser um indicador importante do nosso estado de saúde.
Uma pesquisa publicada nesta segunda-feira na revista Nature
Medicine mapeou 16 bactérias da microbiota que estavam presentes em amostras
fecais de pessoas de sete países e três continentes diferentes e que têm
relação com o câncer colorretal, que atinge cerca de 36 mil brasileiros por ano
e causa quase 17 mil mortes anualmente no país.
Ajuda no diagnóstico
Atualmente, a principal forma de detecção do câncer
colorretal é a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Caso exames apontem a
presença de pequenos sangramentos no intestino, isso pode servir de ponto de
partida para uma investigação mais meticulosa por meio de uma colonoscopia, por
exemplo.
Com a descoberta dos cientistas, por sua vez, a simples
presença das bactérias, de seus genes ou metabólitos na amostra fecal já
acenderia o sinal amarelo de que há algo errado com o paciente.
"Descobrimos que o microbioma é um forte preditor da
doença", disse à BBC News Brasil Andrew Thomas, doutor em Bioinformática
pela USP (Universidade de São Paulo) e um dos principais autores do estudo.
Foram avaliadas as bactérias e suas assinaturas metabólicas,
ou seja, genes, metabólitos e tudo aquilo que é subproduto da atividade desses
micro-organismos no nosso intestino.
Nesse sentido, Thomas destaca a presença nas amostras de
pessoas com câncer de genes que codificam uma enzima microbiana presente em
várias espécies de bactérias que degradam a colina, nutriente contido na carne
e no ovo, por exemplo.
Essa enzima transforma a colina em trimetilamina (TMA) e,
durante o processo, produz um metabólito já conhecidamente associado a doenças
cardiovasculares como aterosclerose e ao câncer de cólon e reto.
Relação com alimentação
O biólogo destaca que ainda não foi estabelecida uma
possível relação de causalidade entre a atividade das bactérias no organismo e
o aparecimento das doenças, mas apenas uma correlação - sejam elas causa ou
consequência, a presença dos micro-organismos e suas "pegadas"
metabólicas são um indicativo da presença das patologias.
Uma pesquisa mais aprofundada nesse sentido pode esclarecer
a natureza da relação entre alimentação e o desenvolvimento do câncer.
De qualquer forma, o Instituto Nacional do Câncer (Inca)
coloca o consumo de carnes processadas - como salsicha, mortadela e presunto -
e a ingestão excessiva como carne vermelha - acima de 500 gramas de carne
cozida por semana - como fatores que aumentam o risco para o câncer de
intestino.
Também contribuem o sobrepeso e a dieta não saudável - pobre
em frutas, vegetais e em alimentos ricos em fibras.
Na pesquisa divulgada hoje foram avaliados dados de 969
amostras fecais de pessoas com ou sem câncer de Alemanha, França, Itália,
China, Japão, Canadá e Estados Unidos.
Ela faz parte do doutorado que Thomas concluiu em 2018. No
Brasil, ele foi orientado pelo biólogo Emmanuel Dias-Neto, do Centro
Internacional de Pesquisas (Cipe) no A.C. Camargo Cancer Center, e pelo
engenheiro João Carlos Setubal, Professor de Bioquímica da USP.
Na Universidade de Trento, ele trabalhou com o bioinformata
Nicola Segata.
Também especialista em bioinformática, Thomas usa técnicas
computacionais - como o aprendizado de máquinas - para analisar bancos de dados
biológicos que dificilmente seriam processados sem essas tecnologias.
Seu objetivo para o futuro é aprofundar o estudo para que a
análise da microbiota permita a prevenção do câncer de cólon e reto, e não
apenas a detecção precoce. Ou seja, para que a assinatura metabólica dos
micro-organismos que colonizam o intestino permita a identificação em estágio
inicial de pólipos - pequenas protuberâncias que podem evoluir e se tornarem
tumores malignos.
"O câncer colorretal se desenvolve de forma lenta e
silenciosa. Se a gente conseguir pegar os pólipos em estágio inicial, vai ser
possível prevenir a doença."
Fonte: uol
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