ENTREVISTA: Jorge é como o brilho das estrelas, que durante o dia dormem para a noite brilhar.

Nascido Jorge Pereira dos Santos em 02 de novembro de 1959. Ser preto não era para qualquer um. E como ele mesmo diz, "negro naquele tempo, tinha que cobrar escanteio e cabecear para fazer o gol" Sua primeira morada foi na Avenida Santo Antônio, que fica no bairro Largo do Tanque na cidade de Salvador na Bahia. Naquele ano, Jorge Amado termina o livro “A morte e a morte de Quincas Berro D’água” e o lança. O livro é um marco na escrita baiana até hoje. Foi também neste mesmo ano que o Esporte Clube Bahia, que depois veio a ser o time do coração do nosso entrevistado, se sagrou como Campeão da Taça Brasil.
Já com seus 10 anos de idade, os pais de Jorge se mudam para o “Alto do Pará”, no mesmo bairro. Lá ele conheceu Dodó. Amigo que influenciou muito a sua maneira de enxergar o mundo.
No Bairro Liberdade ele ganhou o apelido de de Papapá do amigo Adelson Espinheira. Hoje, todos o conhecem por Jorge Papapá. Um negro que orgulha a todos os brasileiros com suas composições e posição política na sociedade. Para os que tem o privilégio de conviver com ele, veem nesse homem, o dos gênios da música brasileira.
Jorge é como o brilho das estrelas, que durante o dia dormem para a noite brilhar.

A infância

Dodó era um playboy. Um cara cabeludo. Porque naquela época era o estilo que fazia sucesso entre as garotas. E Jorge era um negro com cabelo Black Power.

Papapá: imaginem naquela época como os negros se sentiam. O espaço na sociedade era muito menor. Até hoje é difícil um negro entrar em uma universidade. Claro que com as cotas facilitou muito. Hoje a situação é diferente, há um orgulho negro em todos os rostos da raça no país.

Blog: mas você teve um irmão que conseguiu ingressar na universidade.

Papapá: verdade! Meu irmão, Firmino Pereira dos Santos, em 1970 passou no vestibular e a família fez festa o ano inteiro. Porque não era comum um negro passar no vestibular. Só quem passava eram os brancos, com sobrenome de família. Imagina um negro com nome de Firmino, não era para dar certo. Mas deu.

A musa inspiradora

Blog: E seu início na música, como se deu?

Papapá: Chegando no Alto do Pará, conheci Dodó que tocava violão. Playboy, cabeludo e tocando violão. Eu colei nele. Ele sentava na frente da minha casa, eu via tocar e me emocionava com aquilo. E as meninas iam lá ouvir aquele som. Eu conheci a música através dele. Mas foi na Escola Cônego Emílio Lobo. Lá eu caí no esparro de me apaixonar pela menina mais bonita, a Gicélia. Eu a amei até a idade adulta. Mas, eu nunca tive coragem de dizer isso a ela, nem a ninguém, porque as pessoas iriam rir da minha cara. Eu só ia a aula, para ficar olhando para ela. Quando terminavam as aulas, eu subia a ladeira correndo e ficava na porta de casa para ver Gicélia passar, pois ela morava no Alto do Peru. Essa era a minha felicidade naqueles dias. Foi ela quem me inspirou a fazer as primeiras canções. Na verdade, eu só comecei a fazer música, escrever letras, sem mesmo tocar violão, por causa de Gicélia.

Blog: sem violão e sem saber tocar?

Papapá: foi esse sentimento, junto com a presença de Dodó, que me despertou a vontade de ter um. E eu pedi ao meu pai. Que comprou o violão de Zezinho Cabeludo. Um Di Giorgio jacarandá leve Nº 18. O melhor violão que eu tive até hoje. Comecei a tocar sem técnica nenhuma, do meu jeito. E as canções começaram a surgir para Gicélia. Hoje eu agradeço a ela.

O apelido
Blog: e quando surgiu o nome Papapá?

Papapá: quando nos mudamos para o Bairro Liberdade, lá eu fui estudar no Ginásio Pinto de Carvalho e conheci o Adelson Espinheira. Ele era um grande músico. A mãe era cantora, o irmão era músico. Foi ele quem me apresentou várias pessoas do mundo da música. Foi ele quem colocou o apelido de Papapá. Até hoje eu acho que foi porque eu ficava tocando e enrolando no violão. Comecei então a participar de eventos no Bairro.

A entrada na Escola de Música

Blog: você então tomou gosto pela música?

Papapá: eu vi uma oportunidade no curso Preparatório de Música da Universidade Federal da Bahia e me inscrevi para estudar violino. Claro que a minha intenção não era estudar violino. Eu queria mesmo era me envolver com aquele ambiente. Um dos melhores do país que tinha professores reconhecidos. Alguns vindos da Europa, como Ernest Vidman, que veio da Itália. Lá tinha os melhores professores brasileiros, entre eles, Lindemberg Cardoso, Agnaldo Ribeiro, Walter Smetak, Fernando Cerqueira. Era um time de craques, e eu fui aluno desses caras. E quando eu entrei lá, eu tinha como colegas, Gerônimo e Ari Dias. Moraes Moreira estava saindo. Toda essa galera frequentava a escola de música. Para mim foi um ambiente perfeito. Foi lá que eu fui introduzido ao mundo profissional da música. Lá, no Bairro do Canela, também funcionavam as escolas de belas artes e a de teatro. Então comecei a fazer músicas para o teatro. As peças que se apresentavam no Teatro Santo Antônio. Fui um dos que mais fez músicas para o teatro naquela época. Fiquei especialista nisso.

Blog: foi neste período que você se envolveu com a criação do Sindicato dos Músicos?

Papapá: foi quando eu conheci o Franklin Junior, baixista da Orquestra Sinfônica. Ele queria discutir a questão social dos músicos, e nós descobrimos que o Sindicato dos Músicos tinha sido cassado em 1964. E foi aí que começamos a fazer reuniões visando esse objetivo. Gilberto Gil nos deu uma força muito grande, para que o objetivo fosse alcançado, chegando a participar de reuniões. Para atrair os músicos, nós criamos o Projeto Música nos Bairros e o Seis e Meia, similar ao Projeto Pixinguinha. Quem muito nos apoiou, também, foi a fundação cultural da Bahia. O presidente era Geraldo Machado, e esteve conosco em vários projetos.

Blog: essas apresentações ficaram restritas aos Bairros de Salvador?

Blog: não! O Teatro Castro Alves, recebeu pela primeira vez artistas locais através dos nossos projetos. Porque antes, só se apresentavam lá, os “artistas nacionais”. O palco principal, antes, não era destinado ao artista local. E nós furamos isso. Eu lembro que eu participei de um show com Moraes Moreira em 79. Eu abri, no meio tinha um artista intermediário, que era o Djavan e se encerrou com a atração nacional, o Moraes Moreira.

A parceria com Sérgio Passos

Blog: você almejava ser um grande compositor?

Papapá: quando eu fazia música, eu não pensava em ser compositor de cantores famosos. Eu fazia canções para mim. Mas foi quando eu conheci o Sérgio Passos. Eu fiquei impressionado com a maneira dele tocar e com a força do seu cantar. Então eu o chamei para fazermos uma pasceria. Começamos a trabalhar juntos e foi a partir daí que conseguimos um contrato de exclusividade com a Sony, que permanece até hoje. Naquela época, a música baiana estava em alta. Nós fazíamos canções já pensando no mercado. Nós fomos eficientes nisso. Vários artistas baianos gravaram nossas músicas. Cheiro de Amor, Araketu, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Timbalada, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Pimenta Nativa. Foi um tempo que ganhamos muito dinheiro. As gravadoras ficavam de olho nos compositores baianos. Éramos nós que rendíamos dinheiro para elas. Além de nós dois, eu e Sérgio Passos, mais dois compositores foram contratados pela Sony, Alain Tavares e Gilson Babilônia.

Blog: dentre as suas composições, qual a que mais lhe rendeu frutos?

Papapá: todo mundo sabe que a música que impulsionou a nossa carreira foi a “Deixo”, Gravada por Ivete Sangalo. Foi inclusive tema de novela e rende frutos até hoje. Ela é tocada todos os dias nas rádios do mundo inteiro. Teve também “Ilumina”. Essa teve várias regravações em vários países como a Holanda, Alemanha, no Japão. E cada regravação nós ganhamos.

Blog: como surgiram essas composições?

Papapá: eu morava no Bairro Itapuã em Salvador. Lá eu recebia muitos amigos. Dentre esses, muitos eram compositores. Nestes momentos, sempre pode surgir uma composição. Porque eu não acredito nessa coisa de, “vamos compor”. Para mim, a música é quem me busca. Foi lá onde muitos dos meus sucessos foram compostos.

Um novo lugar para se viver

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Blog: hoje você mora em Paulo Afonso. O que lhe fez mudar de vida?

Papapá: eu quando conheci Paulo Afonso, fiquei impressionado com a cidade. Aqui conheci muitos amigos. E comecei a vir periodicamente para passear. Terminei criando um vínculo com a cidade. E Salvador está muito grande. Eu decidi então, que precisava de um lugar mais tranquilo. Apesar de ser novinho. Eu antes nunca tinha pensado em morar em uma cidade do interior. Eu sempre me achei um cara urbano, mas ao conhecer Paulo Afonso descobri que poderia morar em um lugar bacana. E com a chagada da internet e as redes sociais, eu acho que você pode estar em qualquer lugar. Pode estar em uma caverna e pode estar no mundo inteiro. Bastar ter acesso a internet, as redes. Hoje, você pode estar em todo lugar, estando em um só lugar. E hoje estou aqui.

Blog: na cidade você se estabeleceu e já trabalha. Como foi isso?

Papapá: aqui eu conheci o Giuliano Ribeiro, que era o diretor das Rádios Delmiro (ele deixou a gerência no dia de ontem). Fiz um projeto para um programa. Foi assim que nasceu o Balaio. Um programa Diferente! Um programa descontraído, de entrevistas e entretenimento. Há cinco anos está no ar. Hoje eu trabalho em função deste programa. Criei também uma rádio web, a Rádio Papapá. Lá você vai ouvir sucessos eternos e não os do momento. Criamos, eu e Clériston Nascimento (Buiú), também o Palco Livre. Um projeto de arte, que acontece em praça pública. Sempre com quatro artistas. Já se apresentaram, dançarinos, artistas plásticos, músicos. Esse trabalho foi feito com o apoio da secretaria de cultura do município. Ele é coordenado por mim, Clériston Nascimento (Buiú) e Ana Paula.

Blog: e o futuro?

Papapá: o futuro tem que perguntar a Deus. A minha intenção é continuar fazendo do Balaio um programa diferente.

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