Tá na internet: SOBRE A PELEJA DA ENCRUZILHADA: RACISMO EPISTÊMICO E COLONIALISMO COSMOGÔNICO. (Luiz Rufino)

A encruzilhada para as populações negro-africanas transladadas para as Américas compreende-se como um princípio explicativo de mundo. Assim, os diferentes grupos trazidos para cá interagem com a encruzilhada como um signo que versa acerca do sentir/fazer/pensar, a partir de outros modos de racionalidade.
 A encruzilhada não é um signo exclusivo das culturas negro-africanas e de suas reinvenções na diáspora há a presença desse signo e diferentes leituras em diversas culturas. Populações ameríndias e europeias estabeleciam, ao seu modo, suas formas de relação com a encruza e dali produziam outras significações da vida. Porém, cabe ressaltar que em todo território do continente “Afro-Latino” a encruzilhada emerge como um campo de saberes praticados e é aí, a meu ver, que mora o babado da coisa.
 Em recente tese defendida argumento que a presença de Exu (aquele que é o múltiplo no uno) enquanto um saber praticado emerge como um dos principais contragolpes ao colonialismo. A encruzilhada como signo da proeminência/potência do orixá marca as nossas ações de resiliência e transgressão e nos lança na perspectiva da emergência de um outro projeto poético/político/ético antirracista/descolonial. Em outros termos, a encruzilhada é campo de possibilidades e imprevisibilidades. Dessa maneira, praticarmos a encruza marca o inacabamento do mundo e a reinvenção do mesmo.
 O texto amplamente circulado na rede em nome de um professor da UNB nos apresenta uma encruzilhada encarnada de subjetividade cristã. Uma espécie de moral asséptica, castradora das potências e reguladora dos corpos forjada nos moldes do que Florestan Fernandez definiu como o preconceito de ter preconceito. O recado chega até aqui como uma marafunda dos nossos tempos, aquilo que os jongueiros velhos definiram como uma praga rogada, um sopro de má sorte. Porém, o texto nos serve para mais uma vez ressaltarmos o substantivo racial como o elemento estruturante da vida nas bandas de cá. Nesse sentido, essa demanda nos assombra na face do racismo epistêmico e do colonialismo cosmogônico.
 Existe uma narrativa de Ifá que nos conta como Exu ganhou o domínio sobre as encruzilhadas. Exu trabalhou firme durante anos na casa de Oxalá, ele se postava na encruzilhada e de lá via tudo, interagia, tomava de conta, vigiava as ações daqueles que por ali passavam, interferia para que os mesmos tivessem um bom destino. Exu postado na encruza observava os seres, as divindades e as demais criações. Exu ficou por ali e ali aprendeu sobre todas as coisas dos mundos e de todos os tempos.
 A encruza é campo de possibilidades, lá é tempo/espaço em que seu dono toca sua flauta e fuma seu cachimbo, respira o mundo para soprar o mesmo de maneira transformada. Cabe ainda dizer, que aquilo que se faz na encruza é saber praticado. O mito justifica o rito e o rito assenta o mito no redemoinho dos tempos. Qualquer discurso que simplifique a pluralidade de caminhos da encruza buscando transformá-la em um caminho reto ressalta o racismo enquanto elemento estrutural/estruturante. Inclusive os manifestados nas faces do colonialismo epistemológico/cosmogônico.

Por Luiz Rufino.

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