Quem perde no Nordeste e quem pode faturar com o “pacote” do governo

A tarifa imposta pelos EUA pode prejudicar setores com baixa agregação de valor e alta dependência do mercado americano, mas também trazer vantagens para quem já busca alternativas comerciais. Vamos destacar as possibilidades de adaptação para os polos industriais de cada estado do Nordeste, como as fruticulturas na Bahia e Pernambuco e o setor têxtil em Sergipe e Alagoas. O foco está em um pacote de apoio, criado para ajudar as empresas a diversificar seus mercados, incluindo medidas como crédito, redução de tarifas e apoio logístico.

Na madrugada do Vale do São Francisco, as caixas de manga e uva esperavam o caminhão. O telefone tocou antes do amanhecer: o comprador em Miami suspendeu o pedido até “reequilibrar custos” após o tarifaço dos EUA. A cena se repetiu, com sotaques diferentes, do polo químico de Camaçari ao Complexo de Suape. O golpe é real, mas a janela para virar o jogo também.

A cadeia de uva e manga no Submédio São Francisco vive de prazos e margens apertadas. Qualquer sobretaxa quebra o giro de caixa e encarece frete, seguro e embalagem é o tipo de operação que não consegue “absorver e seguir” sem repassar preço.

O setor altamente eficiente, porém sensível a tarifa em volume. Um ponto percentual a mais num lote que cruza o Atlântico pode matar a vantagem de escala por trimestre.

Desvio de rotas cria demanda por inteligência logística. Suape, Aratu-Candeias, Salvador e Maceió podem vender “pacotes” de consolidação, transbordo e novas janelas rumo à África Ocidental, Caribe e Oriente Médio.

Quem sobe na escada do valor agregado amortiza tarifa melhor que o primário. Molhos, enlatados, vinhos do semiárido, cafés especiais e chocolates do sul da Bahia têm margem para reposicionamento de preço e destino.

Linhas emergenciais para capital de giro exportador, alongamento de prazos e seguro de crédito à exportação reativam pedido cancelado e evitam demissão preventiva. Sem lastro, o produtor “mata a safra” no caixa.

Reintegra mais gordo e drawback turbinado devolvem imposto embutido que o importador não quer pagar. É dinheiro de curto prazo para manter preço competitivo.

Aduana com fast track para perecíveis, prioridade de janela em portos e diplomacia econômica para abrir mercado na África e no Golfo. A diferença entre perder e ganhar o contêiner é uma assinatura no tempo certo.

Encomendas governamentais para segurar carrinho girando (embalagens, EPIs, químicos) e metas de conteúdo local em obras e energia dão demanda previsível enquanto o mercado externo respira.

Missões da Apex com foco em nicho (halal, kosher, étnico) e marketplaces B2B encurtam ciclo de venda para pequenas e médias do NE que não têm equipe internacional.

Em Camaçari e Aratu sentem a pancada nos insumos e na saída de derivados. A fruticultura de Juazeiro precisa de seguro de câmbio e janela aduaneira; a celulose no extremo sul deve brigar por drawback e contrato de frete. Ganham porto, logística integrada e agro de valor: azeites, cafés, chocolates finos.

No estado de Alagoas usinas podem travar preço e usar linhas de giro para segurar safra. O polo químico (cloro-soda/PVC) deve acelerar substituição de insumo importado e contratos locais de energia, agenda de competitividade que paga em 12 meses.

Em Sergipe a Indústria leve e confecção demandam consórcios de exportação para diluir custo de certificação e logística. Oportunidade em fertilizantes e materiais de construção regionais para obras do PAC e do mercado privado.

A fatura não é só econômica. A bancada do Nordeste tem barganha rara: amarrar o “pacote” a metas mensuráveis por estado, desembolso efetivo de crédito, devolução tributária com cronograma, janela portuária dedicada e metas de abertura de mercado. Sem amarra, o anúncio vira foto; com métrica, vira emprego. Governadores e prefeitos que levarem lista de projetos executivos (e não PowerPoint) capturam a primeira onda.

Tarifa é política. Competitividade, também. O Nordeste que sobrevive ao tarifaço não é o que “espera passar a chuva”, é o que organiza lista, fecha rota e cobra o que foi prometido com nota fiscal e CNPJ na mão. Quem fizer isso agora atravessa o trimestre; quem não fizer vai dar entrevista sobre “crise” enquanto vê o concorrente embarcar no próximo navio.

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