Não satisfeito em jogar por terra o crescimento econômico do
país e de nos fazer viver o presente de desemprego, fome, inflação,
desindustrialização, queda do PIB, devastação ambiental, redução recorde da
renda dos trabalhadores, crise cambial e privatizações criminosas retirando do
Estado as indispensáveis condições para
atuar como agente de desenvolvimento,
o capitão entregou-se à tarefa de interditar nosso futuro, ao
atacar a universidade, o conhecimento, a
cultura, a educação, a ciência e a tecnologia sem o que estaremos definitivamente condenados ao
atraso. Prevarica, conspira contra os interesses do país e de seu povo,
tranquilizado pela guarda pretoriana que o cerca e ceva, e à sombra do obscuro
acordo de boa vizinhança firmado com o STF com a mediação do inefável Michel
Temer, o perjúrio.
Ao cabo de décadas de
muito trabalho e dedicação de pioneiros, um esforço de estadistas,
pesquisadores e intelectuais que remonta aos primeiros tempos do Brasil de D.
João VI, nosso país chegara aos primeiros anos do século XXI podendo
orgulhar-se de haver construído um dos mais respeitados centros universitários
do continente, responsável por destacada produção científica. Era o cume de um
projeto amparado na vontade nacional, assim apoiado por governos das mais
distintas opções ideológicas, do império à república, sobrevivendo mesmo aos
mal vividos tempos de ditadura. Pois na era da aceleração da tecnologia, da
revolução da informática, da cibernética e da robótica, o bolsonarismo, não
satisfeito em desestruturar o ministério da educação, investe na destruição dos
pilares de nosso desenvolvimento científico, econômico e social: o CNPq e a
CAPES, responsáveis pela qualificação do ensino universitário, pelo
desenvolvimento tecnológico (sem o qual não há indústria) e pela formação de
nossos professores e pesquisadores de nível superior. A investida se dá, de
início, mediante o garrote financeiro, e na sequência mediante a depredação
administrativa. O CNPq teve seus
recursos para 2022 reduzidos de R$ 3,3 bilhões, em 2013, para R$ 1,3 bilhão. Um
corte de 39%! Na última investida surrupiou 82% das verbas destinadas ao financiamento
da pesquisa científica. O orçamento da União para 2022 prevê R$ 3,1 bilhão,
para a CAPES, contra os R$ 10,1 bilhões
que lhe foram alocados no orçamento para 2015. Em protesto contra a desmontagem
do órgão, cerca de 80 pesquisadores da CAPES pediram demissão ao longo da
última semana.
A presidente da CAPES, a quem incumbe a avaliação dos cursos
de pós-graduação, é a advogada Cláudia Mansini Queda de Toledo, com título de
pós-graduação fornecido pelo Instituto Toledo (Bauru, SP), de sua família. Nessa
mesma instituição de ensino se titulou o atual ministro da educação, o pastor
Milton Ribeiro.
Outra instituição de vital importância para a educação
brasileira, o INEP, cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações
sobre o sistema educacional brasileiro (o gigantesco Enem é apenas sua
expressão mais visível), foi posta em crise pelos sucessivos ministros da
educação do atual governo, igualmente ineptos e irresponsáveis. Seu presidente,
um burocrata anônimo, assistiu, faz duas semanas, silente e paralisado, ao
pedido de demissão de nada menos que 37 pesquisadores com cargos de chefia, que
o acusam de “perseguição aos servidores, assédio moral, uso político-ideológico
da instituição pelo MEC e falta de comando técnico no planejamento dos seus principais
exames, avaliações e censos” (da denúncia da Associação dos Servidores).
Bolsonaro, porém, ainda não deu por acabada a obra macabra.
Pretende, agora, destruir o passado. O alvo da paranoia, desta feita, é o Arquivo Nacional, instituição de 183 anos, nascida no período
regencial do primeiro império. É a guarda da memória nacional, reunindo
documentos públicos e privados. No antigo prédio da Casa da Moeda, na praça da
República, no Rio de Janeiro, encontram-se
55 km de documentos textuais, 1,74 milhão de fotografias, mapas, filmes e
registros sonoros, os processos julgados
pelos tribunais superiores, além de
coleções particulares, como os arquivos de Eusébio de Queirós, do Duque de
Caxias, de Bertha Lutz, de Luís Carlos Prestes, de Salgado Filho, de San Tiago
Dantas, de Góes Monteiro, de Apolônio de Carvalho, de Mário Lago, dos
presidentes Floriano Peixoto, Prudente
de Moraes, Afonso Pena, João Goulart e de instituições como a Academia
Brasileira de Letras.
Lá estão a
correspondência e a legislação originadas do império ultramarino português, os
arquivos trazidos com a corte do príncipe em 1808, ao lado de toda a
documentação oficial produzida do Império
até nossos dias, como o acervo do Tribunal de Segurança Nacional, do Superior Tribunal Militar e do Supremo Tribunal Federal, relatórios dos
órgãos de censura e do Serviço Nacional
de Informações. Lá se conserva a memória de todas as constituintes, desde a de
1824, fundadora do Estado independente.
Pois esse patrimônio de valor inestimável, certidão de nossa história, que já foi gerido
por historiadores e intelectuais como José Honório Rodrigues, Raul Lima e
Celina Vargas do Amaral Peixoto, está sendo entregue a um tal de Ricardo Borba
D’Água, que traz em seu currículo os títulos
de ex-chefe de segurança do Banco do Brasil, de ex-subsecretário de Segurança Pública do
Distrito Federal, de atirador esportivo agraciado como “colaborador emérito do
Exército”. Esse senhor substitui Neide Alves Dias, bibliotecária e mestre em
ciência da informação.
Infelizmente, o ataque à razão ainda não teve fim. O mais
grave vinha a galope.
Como observa Ruy Castro em sua coluna na Folha de S.Paulo,
Bolsonaro não se contenta em fuzilar a cultura; ele quer alterar a história. O
colunista adita uma grave denúncia, que, no entanto, não provocou coceiras na
alma nem da imprensa, nem da
intelligentsia acadêmica, que a essa
afronta assiste inerte e em silêncio, e assim se associa ao crime. Escreve:
“Como não é possível rasurar os documentos, a solução é
destruí-los. Para isso Bolsonaro autorizou as repartições federais a requisitar
documentos do Arquivo Nacional e eliminá-los sem qualquer controle”, como,
aliás, fizeram os militares com os
documentos da repressão.
É incrível que isso seja permitido! Lamentavelmente, esse
escândalo, na ameaça que representa para a pesquisa histórica, não
despertou os protestos merecidos. Ninguém levantou a voz em defesa de nossa memória. Estaremos nos
habituando ao absurdo, por mais insólito?
Onde está o ministério público federal?
A coluna de Ruy Castro foi estampada na edição de 26 de
novembro. Desde então aguardo a repercussão que a denúncia da anunciada
dilapidação de nosso acervo documental
cobra. Silêncio total da imprensa, a começar pela própria Folha,
porém. Silêncio do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, da acomodada universidade brasileira e dos cursos de
história, silêncio da SBPC, do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia
Brasileira de Letras, silêncio sepulcral da União Nacional dos Estudantes...
silêncio da sociedade brasileira, retrato do quadro constrangedor do Brasil de
hoje.
***
Um servo no STF - A sabujice da maioria dos senadores nos
brindou mais um ministro do STF sem lustro e sem biografia. Por 47 votos contra
32, André Mendonça teve aprovada sua indicação para ocupar, até 2047, um posto
na mais alta corte do país. Advogado de saber jurídico desconhecido, Mendonça
deixou o anonimato – nesta triste quadra de nossa História que traz ao
proscênio atores que mal servem para figurantes – com a ascensão ao poder do
capitão protofascista, de quem se declara “servo”. Na AGU e no Ministério da
Justiça, com efeito, destacou-se pelo empenho com que se utilizou do cargo para
perseguir e tentar intimidar opositores do governo de seu mestre e senhor. Sua escolha
é, evidentemente, uma lástima para uma corte em que já atuaram Evandro Lins e
Silva, Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Adauto Lúcio Cardoso. Para não deixar
dúvida a este respeito, apenas finda a sessão, o neófito declarou que sua
aprovação era “um passo para um homem, um salto para os evangélicos” – somando
bazófia a falta de imaginação, e abandonando as juras de amor ao Estado laico
que acabara de fazer para garantir a vaga.
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