"Eu sou ladrão e vacilão". Essa foi a frase tatuada na testa de um adolescente de 17 anos, em São Bernardo do Campo, São Paulo.
Isso mesmo, uma frase tatuada na testa. O motivo? Segundo os autores da tatuagem, o jovem teria tentado roubar uma bicicleta. A inscrição (na testa) era, portanto, uma forma de "punição". Uma forma de, por onde o adolescente caminhasse, soubessem do ato que ele havia tentado.
Como se não bastasse, para completar a crueldade, os autores da tatuagem (dois homens adultos) ainda gravaram um vídeo em que fica confirmado o ato de tortura.
O fato te chocou? Gerou revolta em pessoas próximas a você? Comigo, a notícia ainda não foi digerida, demora a descer, porque a crueldade tem um gosto amargo que não consigo (nem conseguirei) me acostumar.
Mas, cá entre nós, em que medida nós também não somos cúmplices dos rapazes que marcaram a testa do adolescente? Quantas crueldades não defendemos diariamente? Quantas barbaridades não cultivamos no cotidiano? Quantas manifestações de ódio não aplaudimos, curtimos e compartilhamos?
Nas redes sociais, nas mesas de bar, nas rodas de amigos, nos encontros familiares...Não temos os instrumentos de tatuagem para usarmos como armas, mas será que não usamos os nossos discursos, os nossos risos e as nossas concordâncias para também marcar com violência e crueldade vidas humanas?
Será que não legitimamos a tortura contra o adolescente de 17 anos quando aceitamos discursos televisivos que defendem que, por exemplo, pessoas sejam amarradas a postes, como aconteceu recentemente em algumas cidades brasileiras? Será que não encorajamos a atos como o de São Bernardo do Campo quando, sem nem querermos ouvir o contraditório, saímos defendendo a redução da idade penal como única saída para adolescentes que cometem atos infracionais? Será que não somos coniventes quando afirmamos que "bandido bom é bandido morto"?
A filósofa judia Hannah Arendt já nos falou sobre "banalidade do mal". Tentando simplificar, Arendt dizia que a instalação e o crescimento do fascismo numa sociedade não se dão necessariamente a partir da chegada de um líder fascista ao poder, mas acontece quando o conjunto da sociedade começa a aceitar passivamente manifestações de ódio, opressão e intolerância, até que não apenas aceita mas começa a participar diretamente dessas manifestações...
Para mim, estamos nesse estágio no Brasil. Um estágio bastante perigoso, em que especialmente negros e negras, mulheres, população LGBT e adolescentes são alvos prioritários do ódio e da violência. Estou exagerando? Basta verificarmos os índices de violência do nosso país.
Entender isso e resistir a isso, individual e coletivamente, é fundamental para não termos mais nenhum adolescente tatuado na testa, mais ninguém amarrado a um poste e mais ninguém morto por crime de ódio.
Por Paulo Victor Melo, jornalista.
2 comentários:
Eu tenho certeza de que os que aplaudiram "negro amarrado em poste" também aplaudiram agora o torturador... Este discurso não"serve"às pessoas com perfil de "justiceiro"...
Tenho certeza de que os que aplaudiram "negro amarrado em poste" também aplaudiram agora o torturador.Este discurso não "serve" àquele com perfil de justiceiro...
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