Colegas de todos os níveis de lucidez.
De médico e de louco todos nós temos um pouco, portanto, cuidado ao pensar que alguém é louco, pois pode ser que outra pessoa tenha o mesmo pensamento ao seu respeito.
Uma característica básica das cidades peqenas é o fato de conhecermos "todo mundo". De fato, anonimato nas cidades é algo que dura um intervalo de tempo proporcional ao tamanho das mesmas, de modo que, nas pequenas cidades, temos a oportunidade de conhecer desde os sãos até os loucos. Durante o tempo em que morei na Cidade Maravilhosa pude observar pessoas que aparentemente tinham algum tipo de distúrbio mental transitando pelas ruas e se confundindo com a multidão sem despertar a menor atenção, nem de repulsa nem de solidariedade, entre os passantes. Por outro lado, durante o tempo em que morei no interior, percebi que a notoriedade era uma característica acessível a muitas pessoas, tanto os loucos, como os nem tanto.
Nas terras baianas de Paulo Afonso, ainda hoje, há um rapaz chamado Severino que todos chamam de "Severino INPS". Segundo dizem ele recebe um "aposento" do INSS pelo fato de ter uma certa limitação mental, mas adquiriu este apelido pelo fato de ter a mania de perambular entre a clientela do Instituto de Seguridade Social, ouvir as conversas e, ao ouvir falar de qualquer caso em que alguém tenha falecido, parte imediatamente para contar a notícia a todos que encontra pela rua, para então pedir um trocadinho... digamos assim... em troca da informação fornecida.
Sempre ouvi dizer que "Severino INPS" mora com sua mãe que, por sinal, cuida bem dele. Por ser uma pessoa de poucas posses suas vestimentas são, naturalmente, modestas. Porem, eu nunca o vi usando roupas esfarrapadas ou trajado de maneira que viesse a denotar falta de zelo por parte da sua família. Onde ele chega dá logo seu recado, pede um trocadinho e, sendo atendido ou não, sai logo para dar a notíca ao próximo passante, sem nunca ter agido de forma violenta ou assintosa com ninguém. De modo que, o ato de pedir um trocadinho, é percebido por ele como uma gorjeta por um serviço de informação prestada e jamais como mendicância.
"INPS" ia sempre à Casa O Ferrageiro, onde eu trabalhava com meu pai, dar a "notícia" do dia. Certa feita contou que uma pessoa havia morrido e ao ser questionado sobre a causa daquela morte, respondeu:
- O cara "tava" dormindo, quando acordou "tava" morto.
Noutra ocasião quando ele chegou alguém perguntou:
- E aí Severino? Quem foi que morreu hoje?
- Ninguém. Tem um trocadinho hoje?
Diante da resposta meu pai então resolveu tirar uma onda com ele e falou:
- Sabe quem morreu?
Diante da negativa, continuou.
- Quem morreu foi Stefan. Stefan do Ferrageiro.
Stefan é um velho amigo meu desde os tempos de adolescente. Está vivo até os dias de hoje e gozando de boa saúde. À época trabalhávamos juntos e no momento em que meu pai deu a "notícia", o mesmo, que era vendedor na loja, estava atendendo a clientela e nem imaginava que seu nome estava sendo citado a poucos metros de distância.
No interior as pessoas são comumente conhecidas pelos seus nomes e mais um "suposto sobrenome" que o associa a uma ligação familiar, local de moradia, trabalho, etc. Por exemplo: João de Tonha - seria João filho, ou parente, de Antônia; Mané do Brejo - seria Manoel morador do povoado Brejo; Pedro Barbeiro - esse não precisa nem explicar. Como Stefan trabalhava na Casa o Ferrageiro, muitas pessoas o conheciam como Stefan do Ferrageiro.
Acredito que, ao receber a notícia, "INPS" deve ter se sentido revigorado, afinal de contas, um dia sem notícia de morte significava menos gorgetas no bolso. Ele então partiu imediatamente para a rua para transmitir a todos a novidade. Como efeito, dentro de poucos minutos muitos amigo começaram a ligar para a loja para confirmar a notícia e outros queriam saber quando seria o enterro. Com certeza, ao tomar conhecimento dos fatos todos riram, porém, durante algum tempo, Stefan continuou encontrando pessoas na rua que se surpreendiam por avistá-lo, pois o tinham como morto e enterrado.
Colegas no momento em que me despeço e desejo a todos uma boa semana de trabalho, gostaria de cumprimentar a todos os meus colegas "não gente" que completaram mais um ano exercendo uma profissão de doidos.
Saúde e paz.
Virgílio Agra. (Blog Saudações Caetés)
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