Em janeiro de 2018, o SEB comprou o AZ (colégio e curso
pré-vestibular do Rio de Janeiro) por 45 milhões de reais.
SEB, ou Sistema Educacional Brasileiro, detinha o antigo COC
(Colégio Oswaldo Cruz), um gigante do setor privado da educação nascido em
1986, em São Paulo, e vendido em 2011 para a Pearson PLC.
A Pearson PLC é uma multinacional com sede em Londres,
criada em 1844 e que, dentre outras, é dona do Financial Times e de metade do
The Economist.
Em 2009, a The Economist afirmou, em artigo, que a "má
qualidade da educação brasileira" é o grande fator de entrave para o
desenvolvimento do país.
A mesma revista, em 2012, colocou o Brasil em penúltimo
lugar em educação num ranking de 40 nações. Esse estudo foi encomendado pela...
Pearson PLC.
A mesma que comprou o COC, que era da SEB, que comprou o AZ.
A mesma que é dona de metade da... The Economist.
Liguem os pontos.
Vamos para outro lado da questão:
O fundador da SEB, que vendeu parte imensa da empresa para a
Pearson PLC, se chama Chaim Zaher.
Chaim Zaher é amigo pessoal do ministro da Educação,
Mendonça Filho, e também da secretária executiva do MEC, segunda em comando, Maria
Helena Guimarães de Castro.
Chaim Zaher sugeriu a Mendonça Filho levar o Prouni e o Fies
ao ensino secundário. No qual o SEB é um gigante.
Mendonça Filho, nosso ministro, já afirmou que o Ensino
Médio brasileiro precisa de "mudanças urgentes".
Maria Helena Guimarães de Castro, segunda em comando, já
afirmou que custeio das universidades públicas é insustentável. E que é preciso
sintonizar o Brasil com o resto do mundo (desconfio do que isso significa...)
Para Maria Helena, o fundador do SEB, Chaim Zaher (aliás,
seu amigo pessoal de mais de 25 anos), é um sujeito dedicado, inteligente,
batalhador e "tem feito um trabalho muito importante na educação".
O SEB também tem universidades privadas. O Pearson PLC,
idem.
Liguem os pontos.
Vamos avançando.
A Pearson PLC também comprou, em 2013, a Wizard, o Yázigi e
o Skill (todos os três cursinhos de inglês). E também era dona, até 2017, da
Microlins e da SOS computadores (cursos profissionalizantes).
O Novo Ensino Médio tornou inglês disciplina obrigatória. E
tornou a educação profissionalizante um "itinerário formativo" nos
moldes da profissionalização das décadas passadas (isto é, descolada de
qualquer concepção integral de ensino).
Pelo modelo do MEC, quem faz ensino profissionalizante não
faz Enem. Ou faz com muito mais dificuldade.
Basta ligar os pontos.
Adiante:
A relação SEB-Pearson PLC é só a face mais recente de um processo
mais amplo.
Desde 2011, já haviam sido vendidos o pH, o Pensi e o Elite.
Todos cursos-colégios do Rio de Janeiro. Rede privada.
O pH foi comprado pela Abril Educação. Que depois se tornou
o grupo Somos Educação. Que também é dono do sistema Anglo, da rede ETB
(escolas técnicas do Brasil), e também das editoras Ática, Scipione e Saraiva.
Essas editoras fazem livros didáticos.
A venda de livros no Brasil representou, em 2017, algo em
torno de 5,2 bilhões de reais. Metade desse valor foi de livros didáticos e
compras pelo governo.
Os livros didáticos precisam seguir orientações do MEC. Que
promoveu a Base Nacional Comum Curricular, o Novo Ensino Médio e reformulou o
Enem, alterando, com isso, a dinâmica desse mercado editorial.
Liguem os pontos.
A Abril Educação, como o nome indica, é parte da Editora
Abril.
A Abril não apenas publica o Guia do Estudante (que
inclusive faz rankings de universidades), mas também as revistas Exame, Veja, e
Você S/A.
Todas as três são grandes defensoras da privatização da
educação. Todas as três louvam o mundo empresarial da educação, formado, dentre
outros, pelo Somos, pelo SEB e por demais conglomerados.
Os pontos, aqui, já viraram uma estrada.
Vamos que vamos:
O Pensi e o Elite foram comprados pelo grupo Eleva.
O Eleva é parte de um fundo de capital chamado Gera Venture.
Esse fundo tem como principal investidor (isto é, na prática, o big boss) o
banqueiro Jorge Paulo Lemann.
Lemann é apenas o homem mais rico do Brasil. Dono de uns 20
bilhões de dólares.
É também dono da Heinz, do Burguer King, da Budweiser,
dentre outras.
Para inúmeras publicações, o Eleva é dono de algumas das
"melhores escolas do país".
Por que melhores? Porque estão entre os melhores colocados
no ranking do Enem.
Para nossa mídia, estar bem colocado no ranking do Enem é
sinal de sucesso educacional.
O Pensi e o Elite ficam normalmente entre as primeiras
colocações no Rio de Janeiro no ranking do Enem.
O Pensi e o Elite, dentre outros, forjam seus resultados no
ranking do Enem reunindo "elites" de alunos que só entram nas redes a
partir do último ano do Ensino Médio.
A mídia hegemônica costuma achar que isso, porém, é sinal de
sucesso. E deseja esse modelo para o Brasil.
Liguem os pontos.
Quase finalizando:
Isso que descrevi acima não contempla nem perto de tudo que
rola nesse mundo.
Nem mencionei, por exemplo, o Kroton, maior grupo educacional
do mundo (do MUNDO).
Vocês não acham bizarro que o Brasil, sempre extremamente
criticado pela sua educação, sempre extremamente criticado nos rankings
educacionais internacionais, seja o lar da maior empresa privada de educação DO
MUNDO?
O Kroton foi fundado em Belo Horizonte. E já tentou comprar
a Estácio de Sá e o próprio SEB. Ambos os negócio só não foram pra frente porque
o CADE, à época, embarreirou.
Liguem os pontos!
Concluindo:
Enquanto as principais discussões educacionais giram em
torno do "Escola sem Partido" e congêneres (e são discussões, de
fato, fundamentais), esse movimento de gigantes vem, nos últimos 10 anos,
promovendo uma nova face do imperialismo e do privatismo na educação.
Sim: é preciso recuperar o conceito de imperialismo.
Não se trata apenas de negócios. Se trata, também, de uma
profunda alteração nos sentidos da educação pública no país.
80% dos alunos do Brasil pertencem às redes públicas.
Esse negócio bilionário não está aqui apenas para alcançar
os demais 20%.
Porque, não se enganem, a menina dos olhos de todos esses
grupos é a rede pública mais robusta. Especialmente universidades estaduais e
federais, IF, Faetec e similares etc.
Prestemos atenção à UERJ. Ali é um grande laboratório do
desmonte que será seguido por ataques desses grupos.
A grande batalha da próxima década na educação será contra o
privatismo.
Impossível entender qualquer discussão sobre educação no
Brasil, hoje, sem levar em conta esse gigantesco movimento de bastidores.
(Não coloquei links para as informações para não
sobrecarregar o texto de referências. Mas basta uma pesquisada na rede para
confirmar todos os dados aí.)
EDIT: Dois outros aspectos que, acho, merecem ser
mencionados.
1) Esse mega-movimento do mercado educacional não seria
possível sem o acompanhamento da construção de um consenso que elogia, defende,
valoriza esse movimento. Quanto mais defendermos, em escolas públicas, essa
lógica como a "correta", mais estaremos oferecendo ao carrasco não só
nosso pescoço, mas o pescoço de uma concepção verdadeiramente libertária de
educação.
Em outras palavras: o que movimenta esse mercado é também um
consenso (cuja construção depende muito também da mídia hegemônica) que permite
a naturalização do absurdo. Quando o absurdo fica naturalizado, seu combate se
torna bem mais difícil.
2) Como construir, então, uma alternativa? Uma visão
contra-consensual? Contra-hegemônica? Certamente NÃO SERÁ a partir de uma visão
progressista muito forte hoje, que defende, dentre outras coisas, questões
culturais isoladas do contexto sócio-econômico.
Digo isso pois, apesar de entender a imensa importância
desse viés mais culturalista, entendo que essa lógica educacional privatista tem
suficiente espaço para acomodar esse elemento de crítica cultural.
Não podemos esquecer um dado fundamental: UM DOS PRIMEIROS
ALVOS DO ESCOLA SEM PARTIDO, MAIS DE 10 ANOS ATRÁS, FOI, JUSTAMENTE, O SISTEMA
COC. As apostilas eram consideradas muito esquerdistas. Outro alvo do escola
sem partido foi o SISTEMA ANGLO, a partir da atuação de um professor que foi
mega perseguido por ser muito "petralha" em sala.
Estou falando de DEZ-DOZE ANOS ATRÁS.
A luta contra os retrocessos mais culturais (como o Escola
sem Partido) precisa vir acompanhada da luta contra esse imperialismo
privatista. Senão vamos apenas trocar a frigideira pelo forno.
EDIT 2: Leonardo Custodio de Jesus me alertou que a Pearson
já vendeu a Microlins e a SOS. Mas isso
não muda nada do que escrevi, porque: 1) Essa venda se deu após todo o processo
que descrevi (a transação se deu em meados de 2017; as fontes que vi eram
anteriores a isso); 2) A interpretação geral ainda se sustenta, já que o grupo
Prepara, que comprou essa fatia, está na mesma lógica. Mas agradeço, Leo, a indicação!
Incorporei no texto.
EDIT 3: Fiz algumas mudanças pontuais no texto para corrigir
questões pontuais de interpretação (SEB e COC, por exemplo, não são a mesma
coisa; o COC era parte do SEB, que é, portanto, maior que o COC). O significado
e a interpretação geral, porém, continuam os mesmos.
EDIT 4: Fui convidado a ampliar o texto para publicação em
um grupo. Aproveitei para incorporar mais alguns aspectos que vasculhei pela
rede.
Para ficar em uma: o Somos, dono do pH, pertence ao fundo
Tarpon.
Um dos sócios do fundo Tarpon (e presidente do Somos),
Eduardo Mufarej, é também fundador do movimento Renova Brasil.
O movimento Renova Brasil é, atualmente, o grande
articulador da campanha do Luciano Huck à presidência...
Esse buraco é bem fundo mesmo.
Por João Escosteguy Filho - professor do IFRJ, Campus
Pinheiral.
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