Teve um tempo em que fui
coroinha na Igreja Católica e participava de grupos de jovens que se reuniam
todos os sábados a noite na Casa da Criança I. Escola administrada pela cúria diocesana
de minha cidade no interior da Bahia. Tempos de lembranças bonitas. De um período
onde era possível sonhar com um país melhor para todos. E foi participando das
missas, ajudando na sacristia que conheci Padre Pedro. Que mais tarde veio se
tornar um amigo. Tanto que na sua formatura no Curso de Direito em Recife, ele
convidou a mim, Alberom e Rogério (Shell). Fomos os únicos da cidade a
participar. Foi também a primeira vez que tive que usar um paletó. Peguei emprestado
para poder ir.
Pedro viajava pelas cidades da
diocese para rezar missas, fazer batizados e celebrar casamentos. Em uma dessas
idas, ele perguntou se eu o poderia ajudar. Eu disse que sim e lá fomos nós. Eu
na minha primeira viagem para este tipo de trabalho. Para mim, cada curva daquela
estrada de chão era algo novo. De tão estreita, algumas vezes paramos para
outro carro passar no sentido contrário ao nosso. Até hoje tenho lembranças de
pessoas e lugares por onde passei.
A cidade escolhida foi Coronel
João Sá no sertão da Bahia. Já ao chegar, por volta das 18h, fomos recebidos
com um jantar. Tinha queijo de coalho, pão aguado, macaxeira, inhame e ovos.
Confesso que depois desse dia sempre que vou colocar ovos na frigideira, lembro
que ele tem que ser daquele jeito, com a gema escorrendo por sobre o alimento. Aquela
senhorinha foi um amor de pessoa durante a semana. No retorno, obriguei minha
mãe a fazer do mesmo jeito. Ninguém até hoje fez igual.
Também descobri naquela noite.
Mais precisamente às 22h, que as luzes de toda a cidade eram apagadas. Naquele
tempo não havia energia elétrica distribuída pela empresa estatal por lá. A
alimentação era feita por um gerador a óleo combustível.
Mas a grande lembrança que
trago até hoje daquela viagem é a de uma foto.
Era domingo. Último dia de
nossa estadia por lá. Já tínhamos participado de várias missas pelas roças e
escolas da região. Pedro tinha feito centenas de batizados e eu era o responsável
por escrever cada um dos nomes daquelas crianças. Tomará que a pessoa da cúria em
Paulo Afonso tenha entendido as letras e ajustado o português.
Pois naquele dia, teve a missa
dominical e logo após, houve um casamento. E casamento todos sabem, é uma festa!
Aquela igreja pequena quase
não cabiam todos os convidados e curiosos. Um calor arretado tomou conta do
local, mas ninguém saía de lá. Foi o evento do dia e todos queriam ver. E eu
claro, fui o sacristão.
A casa da noiva ficava em
frente da “casa dos padres”. E enquanto Pedro arrumava as coisas, que iam de
malas com roupas a presentes que ganhou como, galinhas de capoeira vivas, dúzias
e dúzias de ovos, latas de leite ninho repletas de doce diversos, queijos...
Era muita coisa a caber naquele fusca. Eu fui até a janela da casa do noivo
para ver a comemoração. Eles estavam na sala. Era pura curiosidade a minha. Aquele
momento era mesmo lindo. A noiva sorria entre alegre e envergonhada, sabe-se lá
o porquê. O noivo era felicidade pura estampa no rosto. Novamente, sabe-se lá o
porquê.
De repente alguém chama para
tirar uma foto. Todos os presentes se juntam para pose. O fotografo pede para que
todos respirem que vai ser agora.
- Peraí. Gritou um senhor.
Todos se olharam para ver o que estava acontecendo.
O fotografo, já puto e com
medo de perder a “pose”. Abaixa a máquina e fica esperando para ver o que é.
Aquele homem vai até a geladeira. Estende a mão, pega um arranjo de flores de plástico
e entrega a noiva. Ela recebe com um sorriso lindo no rosto.
- Vai ficar linda! Ouve-se uma
voz feminina. Talvez tinha sido a mãe da noiva ou sua sogra.
Todos se abraçaram novamente.
A moça deu mais um sorriso e ouviu-se o som vindo da câmera fotográfica. Estava guardado
o registro da pureza de uma sociedade que parece não mais existir.
Torço para que aquela
fotografia tenha sido revelada, guardada e que tenha resistido ao tempo. Coisas
assim já não vemos mais.
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