As emendas que viraram caixa para contratos suspeitos


Deputados da bancada do PL usaram as chamadas “emendas Pix” para repassar milhões a prefeituras que contrataram a mesma empresa alvo de auditorias e suspeitas de superfaturamento, reequilíbrio contratual irregular e licitações dirigidas, segundo investigações públicas e relatórios de tribunais de contas. Entre os repasses apontados estão R$ 1,5 milhão destinados por Júlía Zanatta e R$ 1 milhão por Zé Trovão, valores que teriam sido aplicados em obras pela empresa Qualidade Mineração em municípios de Santa Catarina, hoje sob lupa do TCU e do TCE-SC. A prática reacende o debate sobre a rastreabilidade e a transparência das transferências diretas do parlamento para executivos locais. 

Auditores do Tribunal de Contas da União encontraram sinais de irregularidade em contratos de pavimentação que beneficiaram a mesma contratada, exigência de usina de asfalto a menos de 25 km do município que, na prática, restringiu a concorrência e favoreceu a vencedora, aditivos e reajustes pagos sem comprovação de serviços adicionais, e superfaturamento em obras que tiveram o valor final muito acima do previsto no edital. Em ao menos um município a soma das alterações contratuais elevou R$ 39,5 milhões para mais de R$ 51 milhões, montante que coincidiu com o ingresso de emendas parlamentares na conta municipal. O mecanismo de repasse via Pix tornou mais opaco o trajeto do dinheiro público e motivou procedimentos do MPF e do próprio STF para apurar desvios e fraudes em dezenas de cidades.

Levantamento em portais oficiais mostra que as “emendas Pix” cresceram como instrumento de transferência direta sem convênios formais, o que facilitou a movimentação rápida de recursos, mas também dificultou o acompanhamento técnico de execução e prestação de contas. Em municípios onde a empresa ganhou as licitações, prefeitos afirmam ter recebido liberações parlamentares que, em tese, financiaram trechos de pavimentação, drenagem ou revitalização, fontes técnicas, contudo, apontam para serviços aquém dos padrões, uso de materiais inferiores e planilhas de medição inconsistentes que sugerem pagamentos indevidos.

Quem ganhou com isso? Além da Qualidade Mineração, que figura no centro das auditorias e recebeu repasses que coincidem com o período das emendas, há registros de que recursos foram direcionados a obras municipais cujo cronograma foi inflado e a pagamentos de aditivos questionáveis, beneficiando cadeias de fornecedores locais e intermediários sem histórico de capacidade técnica comprovada. Parlamentares ligados à ofensiva de repasses negam irregularidades e afirmam que destinam verbas para obras essenciais, órgãos de controle, porém, já abriram múltiplos procedimentos para exigir prestações de contas e apurar responsabilidades administrativas e penais.

A combinação entre transferências por Pix, contratos aditivados e exigências de edital que restringem concorrência desenha um mapa clássico de fragilidade institucional para o dinheiro federal desembarca rápido, obras aparecem, e, depois, os auditores descobrem o rastro. O caso de Zanatta e Zé Trovão não é isolado, é exemplar da zona cinzenta que proliferou após a adoção das emendas Pix e que agora precisa ser esclarecida nas varas e nos tribunais.

Procurados, os gabinetes não apresentaram, até a publicação, documentação que comprove a execução plena dos serviços pagos com as emendas, os órgãos de controle prometem seguir a trilha dos recursos até as notas fiscais e medições finais. Quem paga a conta, no fim, é o contribuinte.

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