Desde os anos 90, o setor elétrico brasileiro vem passando
por uma reforma institucional, cujos objetivos seriam o aumento da competição,
a melhoria da qualidade dos serviços e maior participação de recursos privados
na distribuição e transmissão do setor. No entanto, pode-se afirmar, o maior
legado (negativo) deste período (que se convencionou chamar de “Nova
República”) foram às mudanças introduzidas na forma de tarifação da energia
elétrica.
A Lei 8.631, de 4 de março de 1993, promoveu uma profunda
modificação na política tarifaria, estabelecendo que os parâmetros de preços
seriam propostos pelas próprias concessionárias, com a homologação (conivente?)
do Poder Concedente.
Com a liberalização econômica, a partir de 1995, a tarifação
adota a metodologia do “Preço Teto Incentivado” (price cap), que fixa tarifas
consideradas “adequadas” para remunerar e amortizar os investimentos, e cobrir
os custos operacionais, além de receberem o benefício de reajustes e revisões.
Na formula de cálculo do índice de reajuste, a tarifa está
indexada ao IGP-M (índice geral de preços do mercado), cuja evolução é bem
superior ao IPC (índice de preços ao consumidor) e ao IPCA (índice geral de
preços amplo), que regem os reajustes de salário e de preços ao consumidor. Na
pratica, enquanto o salário sobe pela escada, as tarifas elétricas sobem pelo
elevador.
Um “passar de olhos” nos balancetes anuais dessas empresas
comprovam que os ganhos extraordinários das concessionárias se devem aos
draconianos contratos de privatização – em particular os das distribuidoras.
A noção de equilíbrio econômico, introduzida nos contratos
de privatização (ou “de concessão”) como mecanismo de proteção ao capital
estrangeiro investido no setor elétrico, garante que os investimentos são
sempre remunerados. E assim criou-se, no setor elétrico brasileiro, o
“capitalismo sem risco”.
Na prática, o que acontece, e está previsto em lei, é que as
distribuidoras são ressarcidas por qualquer interferência que afete os preços
da energia por elas adquirida. O custo é sempre pago pelos consumidores (via
tarifas), que subsidiam a saúde financeira dessas empresas, garantindo ganhos
extraordinários a todas, mesmo quando a qualidade de seus serviços é sofrível.
Então, que fique bem claro, a “maracutaia” do famigerado
“equilíbrio econômico-financeiro” das empresas está nos contratos de
privatização, que desconsidera o equilíbrio do orçamento familiar e a
competitividade dos bens e serviços fornecidos pelo setor industrial e
comercial, que têm na energia elétrica um insumo importante. Logo,
responsabilizar adversários políticos pelas altas tarifas é politicar e
camuflar o real problema. A responsabilidade é do governo federal (que criou),
que tem mantido a principal causa das tarifas estratosféricas de energia: os
contratos de privatização – feitos sob encomenda para que as concessionárias
ganhem sempre.
Neste inicio de ano (de 2014), a política energética tem
contribuído para o aumento da inflação. Com a justificativa de que a energia
das termoelétricas é mais cara – mais ainda com a contratação no mercado livre
–, os reajustes tarifários chegam a ser de 2 a 5 vezes o IPCA (inflação). E o
consumidor deverá perder até 50% do desconto recebido na conta de luz, em 2013.
Para 2015 e anos posteriores, antecipa-se mais aumentos significativos na conta
de luz.
Os aumentos tarifários já autorizados pela ANEEL (Agencia
Nacional de Energia Elétrica) refletem os erros cometidos na condução da
política energética. Os consumidores atendidos pela AES Sul, do Rio Grande do
Sul, tiveram um aumento médio de 29,54%. Os consumidores da CEMIG, em Minas
Gerais, foram surpreendidos em abril com um aumento de 14,82% e, em São Paulo,
o aumento médio nas tarifas da CPFL Paulista foi de 17,23%. Para quatro
distribuidoras no Nordeste os aumentos médios autorizados foram: 16,77% no
Ceará; 11,85% em Sergipe; 14,82% na Bahia; e 12,75% no Rio Grande do Norte.
Em Pernambuco, o pleito da CELPE junto a ANEEL foi de um
aumento médio de 18,13%. A justificativa para este aumento exorbitante, frente
a uma inflação de 5,68% no período, foi o mesmo usado por todas as
distribuidoras: “pagaram mais caro pela energia comprada”.
Todos os pedidos de aumento seguem rigorosamente os
contratos, que atendem unicamente aos interesses das empresas, e deixam de lado
os interesses do consumidor.
No caso da CELPE, o aumento premia uma empresa cujo nível de
qualidade e continuidade dos serviços tem despencado no IASC (Índice Anual de
Satisfação do Consumidor, ranking divulgado anualmente pela própria ANEEL). Em
2011, a companhia estava em 4º lugar, e em 2013 caiu para o 24º, em uma lista
com 35 concessionárias.
Também deve ser levado em conta às multas irrisórias
recebidas pelo excesso de interrupções e por mortes por choques elétricos – que
chegam a 37 óbitos, desde 2012 (Bahia e Pernambuco são os Estados com maior
numero de mortes, vindo o Ceará, em 3º lugar).
Nada disso abalou o lucro líquido da CELPE que, em quatro
anos (de 2010 a 2013) somou cerca de R$ 850 milhões. A Celpe foi ainda
recompensada com um aumento na tarifa muito superior à inflação, e fica bem
fora dos padrões da realidade econômica de seus usuários (mais de 80% são consumidores
domiciliares).
Ao consumidor restam duas saídas. Reclamar ao Bispo de Itu
ou, como cidadão consciente, se insurgir contra mais este descalabro que avilta
seus interesses (tudo “legal” e com a conivência dos últimos governos).
Basta! Revisão dos contratos já.
Heitor Scalambrini Costa - Professor da Universidade Federal
de Pernambuco.
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