Não
é de hoje que a humanidade busca a tecnologia que os leve ao futuro. A
imaginação dos roteiristas de cinema já produziram obras que marcaram épocas,
como a “máquina do tempo” já no ano de 1960 com o ator Rod Taylor. E teve a sua
versão no futuro com Orlando Jones em 2002.
Também
tivemos o filme que nos fez ir além do futuro, retornando ao passado em uma de
suas versões com Michael J. Fox e Christopher Lloyd.
Ou, quando ficamos sabendo que grupos de pessoas em algum lugar desse mundo velho de Deus criaram cápsulas do tempo. Eles tiveram a ideia de colocar em algum recipiente informações e objetos para que fossem encontrados e abertos por outras dezenas, centenas de anos depois.
Tudo
isso faz a imaginação de qualquer um ir aos limites do impossível. Mas a Banda
Detonautas Roque Club inovou no recado com sua Carta ao Futuro. Já nos
primeiros versos a voz de Tico Santa Cruz dá o recado, “Hoje eu acordei com o
vento explodindo na minha janela”. E mesmo tendo sido gravada anterior ao que
ocorreu em beirute no Líbano, não tem como não ver as imagens enquanto o som
rola alto. E fechando a primeira estrofe, “nessa sua isenção que é o abrigo dos
omissos”, o recado está dado de forma direta, sem arrudeios, que é para lembrar
que o silêncio é o pior dos cenários atuais da sociedade.
“Lá
fora os homens seguem se matando. Uns por dinheiro outros por um pedaço de pão.
Afinidades entre a cruz que mata em nome de Deus, e a espada que estraçalha o
amor na mão dos irmãos.” Chega com imagens que lembram os belos clipes do Pink
Floyd. E mesmo que eu discorde da imagem que lembra a Igreja Católica, e que
deveria ser de algum dos vendedores da fé, não há retoque a ser feito. O
artista é livre para criar.
A
batida da caixa eletrônica não tirou a força do Rock in Roll de protesto de
primeira qualidade, com objetivo assertivo, sabendo o que quer atingir. Mandou
o recado sem ser agressivo, e Tico soube colocar em cada frase o tom certo para
o imaginário coletivo. “Cês são Joaquim Silvério dos Reis. Nós somos
Tiradentes”, logo após citar que, “esconde a mão manchada do sangue do corpo
dos inocentes”, é um tapa na cara daqueles que preferiram jogar o Brasil no
caos e o entregar, como mostra a imagem no quadro, ao que há de pior na
política do país.
“Ouvi
um grito vindo lá do beco escuro. De uma criança sem pai perdida e sem futuro.
Seus olhos lacrimejavam o desespero de alguém. Que sabe que será abatido,
invisível e nada além”, é a favela cuspida, escarrada e desenhada para que
ninguém tenha dúvidas do que o Detonautas está dizendo.
E
para quem como eu, vê as postagens do Tico, reconhece nos versos, “se sou
canção sem refrão que fica na cabeça. Não interessa eu sigo firme e forte,
tenho pressa”, suas angustias no dia a dia, sem frescura, escrevendo o que
sente, isolado sem poder estar no palco, com seus amigos, militando em eventos
que ele descobriu ser importante participar para denunciar o que ocorre no
Brasil.
E
como um dia após o outro na atual circunstância em que vivemos de pandemia
fossem todos iguais, “amanheceu o novo dia e tudo é sempre igual. Um loop
eterno de notícias tristes no jornal. Mentiras e verdades que confundem o
cidadão de bem. Eu sei quem é quem, eu sei quem é quem”. E sabe mesmo. Tanto
que no celular da imagem no clip, aparece a palavra “gadolino”. Se foi direto?
Só quem tem queixada pode sentir a pancada.
E
por falar em “Gado”. Durante todo o lindo clip as referências as pessoas que
foram as ruas exibindo camisas da seleção brasileira são mostradas como zumbis
que atacam crianças, espancam e destroem coisas antes belas.
E
o rock do Tico e Detonautas, como se diz aqui no interior da Bahia, “bate como
se bate o feijão de Irecê”, que é para saber que só a dor pode tirar essa turma
do transe em que se encontra. “Como um inseto pestilento em reprodução. Fatia o
bolo entre a família sem preocupação”. Rachadinhas, kopenhagen, apartamento
comprados a vista, milícia. São tantas as possibilidades de imagens que não
caberia no clip, mas que dá o recado.
E
como diz a letra da música, “e pra encerrar, a minha carta não é um lamento. É
um aviso ao futuro de um novo tempo. A corte cairá, não sobrará ninguém. O
tempo ruim vai passar do pai do filho. Ao Espírito Santo amém”, há um futuro a
nos esperar, ou a ser descoberto. E que historiadores, assim como o Detonautas,
não tenham medo de contar tim-tim por tim-tim, tudo que estamos passando neste
ano, que se não fossem as escrituras, eu já poderia dizer que é “fim é de
mundo”.
E
a carta ao futuro de Tico, mostra o presente a quem ainda tem intenção de o
querer mudar. A história registrará tudo, mas nós podemos mudar a atual
situação em que nos encontramos. Não bastam notas de repudio, indignação
seletiva, reclamar todos os dias de que está tudo errado. É preciso agir, mudar
o lugar comum. O Detonautas saiu do seu casulo e mostrou, através da música,
que cada um de nós precisa fazer algo. Então, que usemos aquilo que melhor
sabemos fazer e vamos à luta. Há esperança para mudar o futuro e o entregar
melhor aos nossos filhos e netos.
Se cada Beija-flor fizer a sua parte, esse incêndio de mediocridade será apagado. Nós não podemos mais errar.
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