“Se
tem fogueira acesa, pode ter certeza, é noite de São João”. Já teria dito o
centenário Luiz Gonzaga diante desta longa estiagem que assola o nordeste
brasileiro. Porque, não são os fogos de artifícios, as estrelas de tevê, nem
tão pouco, os enormes palcos que tornam os festejos juninos tão famosos no
Brasil inteiro. Talvez, longe da pirotecnia e das atrações midiáticas, cada
cidade possa rever a maior festa popular da Bahia.
Sem
necessidade de inventar a roda, o São João de 2012, pode virar um marco na
história cultural dos 250 municípios baianos que já decretaram situação de
emergência por conta dos efeitos da seca. É a oportunidade de notabilizar o
triângulo, a zabumba e a sanfona. Incentivar a formação e promoção de grupos de
forró pé-de-serra. Ou seja: produzir cultura local para pessoas que estão vindo
de toda parte do país. Porque, o verdadeiro motivo de todos viajarem tantos
quilômetros até o interior da Bahia está contido exatamente no que há de mais
puro e original no São João: a vida do sertanejo.
Quem
"desce" para Jacobina, Juazeiro, Jaguarari, Senhor do Bonfim, Nova
Fátima, Cruz das Almas, Miguel Calmon, Piritiba, Uibaí, Irecê, entre outros
tantos municípios, não viaja para dançar música eletrônica na boate exclusiva
do camarote andante, nem para comer e beber os coquetéis e pratos mais exóticos
da última estação da moda. Nada contra nenhuma dessas "mudernidades",
mas, cada qual no seu cada qual. A expectativa de quem visita esses municípios
é encontrar um "xodó", "o verde dos teus olhos", após
"ralar coxa", arrastar o pé com o “Xote das Meninas”, adoçando a boca
com licor de jenipapo e enchendo o buxo com macaxeira, aluá e pamonha.
Com
a redução do orçamento das festas - provocado pelo mais extenso período de seca
dos últimos 50 anos - o São João de 2012 impõe ao mercado da música sertaneja
uma reflexão sobre o inflacionamento dos cachês, gerado pela supervalorização
de atrações de fora do próprio circuito junino. A disputa para encaixar no
calendário local as "grandes estrelas nacionais", estimulou ao longo
dos anos uma espécie de guerra fiscal entre os municípios, sufocando os
arranjos culturais e econômicos regionais em prol de uma demanda externa sem
qualquer compromisso com o contexto sócio-político de cada lugar.
É
claro que pela própria dimensão geográfica da festa, presente nos 417
municípios da Bahia, o São João apresenta uma vocação natural de solidariedade
com os demais gêneros artísticos. Mas, o caráter predatório utilizado por
agências de eventos para vender o cachê dos seus artistas às prefeituras
baianas, exige do gestor público uma reação firme contra os abusos cometidos
por essas empresas com - é claro - o consentimento dos artistas.
Infelizmente,
raríssimas ou nenhuma iniciativa espontânea ou promocional, sinalizou qualquer
gesto da classe artística do ramo da música em solidariedade ao difícil momento
que vive o povo sertanejo. Pouquíssimos ou nenhum artista doou o seu cachê ou
cantarolou uma única canção sem ter tido o seu dinheiro devidamente depositado
pela prefeitura na sua conta.
Por
essas e outras, nada mais justo que aumentar a grade de programação das nossas
festas com atrações locais, a exemplo de forrozeiros tradicionais, como
Ademário Coelho, Targino Gondim e novas formações que assisti em Irecê,
recentemente, como a Banda Nordeste, Jurandi Alves, Léo Silva, Forró Furado,
Kravo e Kanela, Cristiano Neves, Dourado Coração Sertanejo e a atração
principal, Waldonys do Acordeon. Com grupos e bandas compostos por homens e
mulheres da terra, que aguardam o mandacaru aflorar na seca e apontar a chuva
que chega no sertão. Em meio as discussões da Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável, nada mais atual.
Amauri
Teixeira é deputado federal pelo PT e economista.
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