"Leite de puta"

Eu nasci em maio de 1963. Um ano antes do golpe militar. A cidade que minha mãe, Dona Regina, e meu Pai, Argemiro Roque, escolheram para viver foi Paulo Afonso no Sertão da Bahia. Eles vieram para cá fugindo das dificuldades que enfrentavam no Povoado Maniçoba em São Caitano, Pernambuco.

Mas as dificuldades também estavam aqui. Muitos nordestinos, da maioria dos estados, vieram para Paulo Afonso em busca de trabalho. A Chesf - Companhia Hidrelétrica do São Francisco, criada para construir a primeira usina a gerar energia na região, era o atrativo para muitos.

Mas meus pais eram marchantes. Foram uns dos poucos que se aventuraram a não trabalhar para a companhia. E foi assim que, aos poucos, foram constituindo sua família.

Naqueles tempos, dizia minha mãe um bela contadora de histórias, que ela sempre teve dificuldade para produzir leite após o parto dos filhos e filhas. Para solucionar este problema naquela época, qualquer coisa era a solução que deixasse seus filhos vivos.

Quando eu nasci, ela contava que logo no início do resguardo, lhe faltou leite para me amamentar. Mas a solução veio através da esposa de um dos meus tios, “Tí Toin”, ou “Seu Toinho” como muitos o chamavam. Também marchantes, vendiam na “Feirinha”, uma Praça de chão batido e que existe até os dias de hoje. Durante os dias, existia a feira, mas a noite toda a redondeza era uma zona de meretrício. Lá tinha cabarés para tudo que é lado.

A esposa do meu Tio, se ofereceu para ir buscar, todos os dias, leite de várias mulheres daquela localidade que, também, tinham dado a luz. Segundo, ainda, minha mãe, teria sido essa ação que me manteve vivo, porque a dificuldade para comprar leite era muito grande para meus pais.

Já na minha juventude, e tendo ouvido muitas vezes minha mãe falar que, “esse jeito dele de viver na rua defendendo os pobres, foi porque tomou muito leite de puta”. Foram muitas as vezes que ela se sentiu agradecida pelo que aquelas mulheres fizeram por ela e por mim.

Sim, eu tomei leite de puta e se estou vivo, agradeço imensamente aos cabarés da minha cidade e aquelas mulheres maravilhosas que socorreram muitos de nós. Obrigado!

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