O Mulungu (Por Elaine Ventura)


O Mulungu (do Tupi, Mussungu ou Muzungu e do africano Mulungu) é uma planta nativa do Brasil que possui espinhos em seu tronco, folhas de tons que vão do verde ao vermelho e sementes encarnadas, usada na medicina indígena e popular, em pinturas e ornamentos. Além de ser uma espécie genuinamente brasileira, também encontrada no semiárido nordestino, nomeia um dos maiores complexos de bairros do município Pauloafonsino, que no ultimo senso do IBGE, ultrapassou mais de 50 mil habitantes.  

O Bairro Tancredo Neves, popularmente chamado de Mulungu, teve inicio no final dos anos 60, com intenso fluxo migratório no começo dos anos 70, ano em que a CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) começava a abrir canais para que as águas do São Francisco pudessem ocupar as barragens de Moxotó – AL e PA-4, isso foi fator primordial para que as pessoas que residiam na Lagoa (região alagada próximo ao BNH), Riacho do Brito ou Grito e Riacho da Gangorra, (estes localizados próximos ao atual Bairro Perpetuo Socorro e Bairro Prainha) fossem “convidados a retirar-se” dessas localidades, dando inicio a bairros novos como o Mulungu.


Muitas dessas pessoas que foram despejadas vieram das mais variadas regiões do nordeste, na esperança de arranjarem emprego e proporcionarem as suas famílias melhores condições de vida, pois com a CHESF Paulo Afonso ainda era um imenso canteiro de obras a céu aberto.

Durante o inicio e até meados dos anos 70, famílias foram retiradas desses bairros paulatinamente, na medida em que a CHESF precisasse desses espaços livres, “no meio dessas desocupações muitas famílias foram literalmente despejadas dos caminhões da CHESF nessa região que havia de se chamar mulungu, (por ter vários exemplares da espécie e estes servirem de abrigo temporário para muitos), somente com seus poucos pertences, sem moradia, indenização ou mantimentos”, contou um dos moradores mais antigos do bairro.

Nesse mesmo período, chegam a Paulo Afonso, os Padres italianos, Mário e Lourenço (o último batiza uma das principais ruas do BTN II), que junto com o Ex- Padre Alcides Modesto começam a intervir a pedido e em beneficio daquela população. Vendo as irregularidades cometidas pela CHESF, os padres solicitam uma reunião com Amauri Alves de Menezes, pedindo explicações quanto à derrubada das casas, e a resolução do problema como indenizações e novas moradias para aqueles que vinham sofrendo com os abusos e a negligencia.

A Liga Social católica foi importantíssima para as transformações sociais na época, em conjunto com os moradores começou um trabalho de humanização para que não somente almas fossem alimentadas, mas que seus corpos também recebessem alimento. A partir daí deram inicio a catequese, a Casa da Criança III e a Paroquia Sagrada Família.

Foto do álbum de família da autora, de 1984, onde se vê ao fundo a futura Avenida Padre Lourenço, hoje uma das vias mais importantes do bairro

Por ser um bairro periférico e sua população ser bem humilde, os moradores do Mulungu viveram muitas situações de preconceito, ao ponto de ao chegarem em alguns ambientes comerciais do centro da cidade, terem o crédito negado, simplesmente por morar no Mulungu.

Naquela época muito se ouvia a frase: “Aquilo lá é lugar de gente” era quase impossível abrir crediário ou arrumar emprego se dissessem que residiam por essas bandas, para muitos de fora daqui a impressão é que o bairro era constituído por foras da lei, bandidos e gente desonesta.

Sendo assim, atendendo a pedidos da comunidade, através de um abaixo assinado com mais de 5 mil assinaturas, com a ideia de tentar diminuir o preconceito, o então prefeito Zé Ivaldo, propôs um projeto de lei que teve sua aprovação no dia 03 de abril de 1986, mudando o nome de Mulungu para Tancredo Neves.

Atualmente o bairro é o maior do município, tem um comércio forte e encontrou espaço para se desenvolver, passando a ter uma importância bem maior para toda a cidade, embora o preconceito e o desconhecimento da nossa realidade ainda prevaleça.

No dia 21 de maio de 2012, foi aprovado por unanimidade o projeto de lei proposto pelo vereador José Gilson Fernandes, que instituiu o dia 10 de maio, como o dia do aniversario do bairro Tancredo Neves, que nesse ano de 2020 comemora 50 anos de um povo forjado na luta, solidário e forte, que sempre enfrentou as adversidades com a esperança de dias melhores.

“O Sertanejo é antes de tudo um forte” – Euclides da Cunha

Elaine Ventura - Poetisa, Licencianda em História e moradora do BTN/Mulungu.

Publicado primeiro no Tribuna Mulungu.

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