Corre que o Papa Figo tá vindo aí.

Na infância os sonhos e medos que temos ficam para sempre em nossas memorias. E é sobre um desses medos, dos que não me saem da minha memória, que vou contar para vocês hoje o que minha mãe, e as mães de tantas outras crianças, faziam para nos colocar para dentro de casa durante a noite. Naqueles dias dos anos 70, brincávamos de “rouba bandeira”. Eram feitos dois montes de areia em cada extremidade da rua (imaginária) e colocado um pedaço de madeira pequeno. Eram, estes, as bandeiras. A brincadeira consistia em, formado as duas equipes, uma pessoa de cada grupo era escolhido. Essas duas pessoas iam retirando, com as mãos, um pouco de terra, até que uma das bandeiras caísse. Isto acontecendo, a equipe que derrubasse tinha que tentar de todas as formas chegar em seu lado. Podíamos passar de mãos em mãos, até que conseguíssemos. A outra equipe teria que barrar este feito. Para isto todos tinham que segurar a pessoa que estivesse de posse da bandeira para, assim, ganhar a partida. Esta brincadeira acontecia durante boa parte das nossas noites quando crianças.
Minha mãe, Dona Regina Roque, que Deus a tenha em um bom lugar ao seu lado, tinha uma forma curiosa de nos colocar para dentro de casa. Mesmo quando tentávamos ficar brincando por mais tempo na rua. É que naqueles anos, surgiu uma lenda no Nordeste, neste caso aqui, em Paulo Afonso na Bahia. Diziam os mais velhos, para amedrontar as crianças, que as noites os “Papa Figo” pegavam as crianças que estivem nas ruas sozinhas e as levavam com eles. Eram seres grandes, com orelhas enormes, e vinham montados em cavalos. Carregavam nas mão bandeiras vermelhas. Tão vermelhas que lembravam o sangue dos inocentes. Dizia minha mãe que muitas crianças já tinham sido levadas, ninguém já mais soube onde seus corpos foram deixados. Mas todos nós sabíamos, através das histórias, que muitas tinham morrido nas mãos dos Papa Figo. E quando, após insistirem muito que as crianças parassem as brincadeiras e entrassem, nós começávamos a ouvir os gritos de nossas mães. “Corre que o Papa Figo tá vindo aí”. Era a senha para que o medo, o pavor, o desespero tomassem conta de cada um de nós. Não lembro ter visto uma só viva alma que enfrentasse aquele medo. Pedíamos para terminar a partida, mas era comum, naqueles momentos, dois dos nossos amigos ficarem nas esquinas vigiando, para ouvir o som das patas dos cavalos. Muitas das vezes fui eu que fiquei. Tremia de pavor. Algumas das vezes a correria eram desesperadora. Isto porque alguém gritava que tinha ouvi o som. Normalmente as ruas ficavam vazias rapidamente naqueles momentos.
A figura do Papa Figo resiste ainda dentro da minha imaginação. Homens de grandes orelhas, que, montados em seus cavalos, traziam bandeiras vermelhas, e levavam com eles as crianças inocentes que só queriam brincar em frente de suas casas. Como, naqueles dias pudéssemos entender com clareza o que era aquilo, gritado com temor por nossas mães.
Passados anos, lendo a obra de Jorge Amado, o Cavaleiro da Esperança, que narra a aventura da Coluna Prestes pelo interior do Brasil. Eles partiram do município de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. Hoje existe até um Memorial em homenagem a Coluna Prestes. O movimento percorreu vinte e cinco mil quilômetros pelo interior do Brasil durante dois anos e meio. Mesmo tendo andando pelo interior do Brasil, passado inclusive por Jeremoabo, na Bahia. Cidade distante 82 Quilômetros da cidade onde moro. A Coluna Prestes não conseguiu sensibilizar a população para a sua causa. A longa marcha foi concluída em fevereiro de 1927, na Bolívia, perto de nossa fronteira, sem cumprir seu objetivo, que era a de disseminar a revolução socialista no Brasil. Eu me deparei com imagens descritas pelo autor que me fez descobrir de onde partiu a lenda do Papa Figo. A figura de homens em seus cavalos, desbravando o País. Levando a ideia de liberdade e comunhão a todos. Que carregavam bandeiras do Partido Comunista Brasileiro, é o achado que eu precisava para entender o quanto tão perverso é uma mentira dita mil vezes. Criada para amedrontar as pessoas, quando ainda não tínhamos o sistema de informação atual, a história de que os “Comunistas” comiam criancinhas, ganhou uma versão ainda mais aterrorizadora para nós dos interiores do sertão baiano. Inventada sobre a imagem de Luiz Carlos Prestes, que tinha duas grandes orelhas, a história do Papa Figo, que roubava as crianças que estavam brincando durante as noites nas ruas das cidades, traduz certamente o imaginário popular e como os governos ditatoriais usam as imagens e histórias para amedrontar a todos. Lembro-me que as nossas mães também acreditavam naquela história. Não era só uma forma de nos colocar para dentro de casa quando passamos do horário de dormir. Elas acreditavam que aquelas figuras existiam de verdade. O grito de Corre que o Papa Figo vem aí, tinha a sua verdade na cabeça daquelas mães. O medo era coletivo, porque, todos nós acreditamos ser verdade.

Para quem ainda não leu, o Cavaleiro da Esperança é uma boa fonte de informação de como homens destemidos, desbravam o interior do Brasil, para levar a todos a ideia de uma sociedade justa. E viva Luiz Carlos Prestes!

Mas claro que há outros relatos sobre a origem do mito do Papa Figo. Eu prefiro este que criei.

2 comentários:

Safita disse...

Gostei da historia e vou ler o livro

Safita disse...

Gostei da historia e irei ler
o livro