A internet era, em meados dos anos 1990, a anunciação de um
admirável mundo novo onde a intercomunicação pessoal direta e o acesso
irrestrito ao conhecimento nos elevariam a uma nova era. Parecia, por assim
dizer, uma interface perdida do socialismo real resgatada dos escombros daquela
década feroz do Consenso de Washington, da primeira onda do neoliberalismo, no
Brasil. Não existiam, naquele nascedouro digital, influenciadores. Cada
internauta – era assim que se chamavam – era um pioneiro, um intermediador.
Naquela fase utópica, estávamos tão cegos e animados que não
percebemos que a captura da internet pela sociedade de consumo acabaria, no
rastro das novidades virtuais e na consolidação do e-commerce, no abandono
completo da leitura e, ato contínuo, da transmissão da cultura por meio de
filtros de reflexão e crítica. Quando nos demos conta, o mundo não estava mais
discutindo grandes autores, artigos, contos, teses, romances. Primeiro pelos
blogs, depois pelo YouTube, uma geração inteira de jovens passou a viver a
reboque das ideias de influenciadores digitais.
O grande problema é que esses sábios das montanhas digitais
formam uma esmagadora maioria de repetidores de clichês de autoajuda, dondocas
versadas em modinhas, patricinhas cheias de positividade e filhinhos de papai
regurgitando estilos de vida inerentes a uma classe média enquadrada exatamente
na definição da filósofa Marilena Chauí: uma abominação política, por fascista;
uma abominação ética, por violenta; e uma abominação cognitiva, por ignorante.
O caso de Gabriela Pugliesi é altamente ilustrativo. Ela é o
que se chama de “blogueirinha” de estilo de vida. Branca, magra, rica, passa os
dias gravando vídeos falando bem dos produtos de beleza e de roupas que recebe
de marcas famosas e descoladas. De quebra, dá conselhos sobre a vida para seus
milhões de seguidores, que acabam replicando as baboseiras que aprendem, mesmo
que elas não façam nenhum sentido e sejam resultado de um profundo vazio
existencial.
Nesse mundo de fantasia, Gabriela, positiva para a Covid-19,
fez disso um “case” para os fãs e, na semana passada, achou por bem fazer uma
festa com amigos, em plena pandemia, e postar a tertúlia no Instagram. De uma
hora para outra, a blogueirinha aprendeu, na marra, como funciona o
capitalismo: uma dezena de patrocinadores que, por meio dela, enfiavam de
pipoca gourmet a carne vegana goela abaixo do público, cancelou contratos com
ela. De uma só vez, a influenciadora perdeu 100 mil seguidores.
Mas para cada Gabriela que cai, outras dez se levantam, no
mundo da superficialidade e da lacração. Das três finalistas do Big Brother
Brasil 20, duas são influenciadoras. Uma delas, Manu Gavassi, é uma máquina de
clichês, lágrimas, maquiagem para os olhos e sapatos plataforma. A outra,
Rafaella Kalimann, estrela de videoclipes sertanejos, também se diz missionária
na África, onde costuma ir para postar fotos no Instagram e passar mensagens
humanitárias como a que postou, desde Moçambique, com um recém-nascido no colo:
“Essa delícia perdeu a mamãe no ciclone com 7 dias de vida..
Eu esmaguei muuito ele.. de presente ele fez xixi na Tia Rafa. Meu útero
coça!!! Queria levar pra mim!”.
Ótimas influências, como se pode notar.
Por: Leandro Fortes.
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