“Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu
quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem
você também, leve Vila Rica!”.
Como essa frase Gérson, o cérebro da Seleção de 70,
encerrava um comercial de cigarros e involuntariamente associava seu nome, de
forma pejorativa, à malandragem. Nascia a Lei de Gérson, ou mania de querer
levar vantagem em tudo, sem se preocupar com questões éticas.
O “Canhotinha de
Ouro” começou sua carreira como meio-campista no Flamengo no final dos anos 50,
e é duplamente famoso pelo futebol e pela lei.
Hoje, uma nova Lei de Gérson, nascida também no Flamengo,
tomou conta do noticiário esportivo.
Quando Gerson virou revoltado para encarar Ramirez, alegando
ter ouvido “Cala boca, seu negro”, a revolta de ver um jogador do Bahia, o
clube mais antirracista do país, envolvido em caso de racismo pra mim, foi
maior que a razão.
E, como escrevo sempre meus textos “no calor do final do
jogo”, acabei errando no julgamento que fiz a Ramirez, condenando ele de
pronto, confiando na voz da vítima. Errei (mas não errei só).
O que aconteceu depois foi um espetáculo de três grandes
grupos.
Os que, como eu, revoltaram-se com a acusação, os que
partiram para a defesa de forma equivocada do jogador e os que queriam esperar
as investigações para opinar (que inveja desses). E quem mais acertou foram
justamente os mais acusados de estarem errados: Bellintani e o Bahia.
A verdade é que o Gerson não conseguiu provar a ofensa (até
o momento em que escrevo esse texto). Nenhuma câmera, microfone, ou colega
dele, captou a injúria racial.
Mas a imprensa comprou a narrativa dele, a CBF saiu em apoio
ao Flamengo (novidade) e todos execraram Ramirez. Sem as provas, tentaram
inventar a injúria racial, dessa vez, com Bruno Henrique, mas o tiro saiu pela
culatra. O que encontraram foi uma ofensa xenofóbica do jogador flamenguista,
em bom português, chamando o Índio de “Gringo de Merda”.
Do lado dos defensores inveterados, o erro foi tentar mudar
o foco da questão. Fotos de Ramirez com amigos negros circulavam nas redes
(tipo: não sou racista, tenho amigo preto), de Gerson xingando jogador
nordestino e até abaixo-assinado no Avaaz pela reintegração de Ramirez ao
elenco.
Quem acertou mesmo foi Bellintani (e escrever isso vai me
custar alguns xingamentos). O Bahia é o clube que ganhou destaque internacional
no combate ao racismo. Não poderia se omitir diante de uma denúncia tão grave.
Afastou o jogador para investigação, protegendo a imagem do clube, e
obviamente, a do próprio jogador também.
Ligou para Gerson e prestou solidariedade pelo que ele ouviu
(ou acha que ouviu). Prestou assistência psicológica a Ramirez e acionou seu
departamento jurídico. Contratou um perito que desmascarou a segunda tentativa
flamenguista de acusar o jogador. E pronto. Como escrevi nos whatsapps da vida,
sou do marketing e da gestão esportiva, e não posso pensar somente com minha
cabeça de torcedor numa hora dessas.
Agora, cabe ao Bahia, abrir uma ação contra a xenofobia de
Bruno Henrique. O vice presidente do Flamengo, que estava todo cheio de razão
sobre a condenação de Ramirez, agora já fala que o Bahia quer inverter as
coisas. Tentou até dar desculpa e dizer que chamar de gringo é normal. Atitude
de um dirigente canalha.
É lamentável que um jogador como Gerson faça o que fez. Ele
QUASE deslegitimou todo um trabalho de anos feito pelo Bahia contra o
preconceito. Acusou, sem provas, um jovem colega de profissão de ter dito algo
que nem faz parte do vocabulário da língua dele.
O Flamengo tentou aplicar a Lei de Gerson e, quando viu que
não havia nada no primeiro caso, tentou desviar a atenção pra Bruno Henrique. É
lamentável que algo tão sério, que levou a ameaças a família de um jogador
promissor, seja feito dessa forma tão irresponsável. E ainda mais com toda a
mídia que sempre esteve a favor dos cariocas.
A Lei de Gérson não rolou dessa vez. Que pena que um jogão
de 7 gols e duas viradas fique marcado por duas acusações, SEM PROVAS, de
racismo.
A verdade vai superar a malandragem carioca e o Gerson não
vai levar vantagem alguma dessa vez.
Por: Erick Cerqueira.
Publicado no Futebol Baiano.
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