Júlio de Maria do Beco era um cabra bem
conhecido na comunidade onde morava. Tinha esse nome porque sua mãe, que tinha
mais oito filhos, após ser abandonada pelo marido, que se mudou para São Paulo
atrás de emprego no final dos anos 70, nunca mais voltou e ela foi morar no
Beco do Cuscuz em sua cidade natal, Paulo Afonso na Bahia.
Ele ouvira falar que este ano teria eleição na cidade e que se o sujeito se candidatasse e fosse eleito, iria receber um bom salário. Quando ficou sabendo do valor da importância que cada um edil recebia, cerca de uns R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais), ele foi logo se animando e já fez planos com o primeiro dinheiro que viesse a ganhar, se eleito fosse. Coisa que de imediato ele acreditou que seria.
Conhecido
por todos do Beco. Amigo das putas do cabaré da feirinha, onde por algumas
vezes já entrou em brigas para defender algumas delas, que apanhavam de
fregueses, que sem dinheiro, saiam sem pagar. Ele também lembrou que parte dos
vagabundos que perambulavam pelas ruas, tomando cachava, fazendo serenatas e
pegando as meninas, ele conhecia a todos. Júlio era amigo dessa turma toda e
também da polícia, que mesmo já o tendo recolhido algumas vezes para
averiguação, nunca encontrou um mal feito dele que merecesse o trancafiar.
Ele
procurou o amigo André Cabeção, que pelo nome você já imagina o sofrimento da
mãe ao parar o cabra, para orientá-lo como fazer para ser candidato pelo
partido político.
-
Tô querendo ser candidato a vereador este ano. Tu que é metido com esse bando
de cabra safado da política, me diz como devo proceder. E não me enrola não.
Seu
amigo disse que ele deveria procurar o presidente da Câmara de Vereadores, que
tinha acabado de pegar um partido novo e estava buscando pessoas que queiram
ser candidato. Este era o caso de Júlio.
Dito
e feito. Filiado, passou pela convenção, teve seu nome homologado, assim como
outros que lá estavam, foi inscrito na Justiça Eleitoral e com o número
disponível, Júlio agora já podia sair pelas ruas pedindo votos a seus possíveis
eleitores.
No
Beco do Cuscuz ele começou pelas casas dos seus melhores amigos.
-
Júlio, tu tem certeza que vai se meter nesse negócio de política mesmo, e tu
acha que vai ter votos para se eleger?
A
cada casa que ele ia, as perguntas se repetiam e ele respondia quase a mesma
coisa, “é claro que sim. Tantos amigos que eu tenho como não vou ter votos? ”,
respondia ele com, também, uma pergunta. Os dias passavam e poucas eram as
pessoas que declaravam que votariam nele. E ele foi vendo que aquilo não era
tão fácil assim. Enquanto o presidente da Câmara, que era do mesmo partido,
andava nas ruas com um magote de gente atrás, entrando nas mesmas casas, e
quando saia tinha o seu cartaz “apregado” na porta, Júlio não tinha conseguido
um único amigo que fizesse o mesmo com ele.
Bateu
a tristeza em Júlio. Ele, que antes tinha certeza da vitória nas urnas, agora
começava a duvidar de sua própria capacidade de conseguir votos. Foi quando em
um lampejo de memória ele lembrou que no cabaré, as amigas sempre o recebiam
com carinho. Se mandou para lá em busca de apoios.
Socorro,
mulher formosa com um corpo escultural, pele morena, cabelos pretos e longos
que caiam por sobre seus ombros indo até o meio das costa e uma das suas
melhores amigas e era a moradora mais famosa do Gedeão, casa de acolhimento de
homens desesperados, resolveu ser sincera com ele e disse:
-
Júlio, se eu fosse tu desistia desse negócio. Isso não é algo para homem que
presta. Tu já viu os cabras que tão lá e quantos anos faz que cada um está?
-
Eu não tinha pensado nisso. Mas agora não dá mais para desistir. Eu preciso da
sua ajuda. Falou ele, quase implorando.
-
Eu vou te ajudar com uma informação. Porque com o meu voto tu não conte não. Eu
já vendi ao Pastor daquela Igreja que fica lá no Beco. Ele passou aqui e disse
que vai me dar R$ 50,00 (cinquenta reais) se eu votar no Zé Ronaldo. Aquele
cabra safado que tem duas mulheres e todo culto não saí da Igreja.
-
E o Pastor sabe disso? Perguntou Júlio.
-Claro
que sabe. Todo mundo na cidade sabe. O Pastor que é a parte dele.
-
Mas assim fica difícil. Ele já está comprometido.
-
Tá nada. Todo mundo sabe que quem oferecer mais, o Pastor muda os votos na
hora. Até eu, se ele mandar, voto em tu. Eu só quero o que me foi prometido.
Com
aquela informação em mãos, Júlio esperou o Pastor na porta da Igreja às 19h. As
pessoas iam chegando e estranhando aquela pessoa encostada no portão. Parecia
nervoso, e estava mesmo. Júlio precisava de um apoio como dessa magnitude para
deslanchar a sua candidatura.
Ele
viu o Pastor chegar de carro. Foi ao encontro do mesmo e já foi logo perguntando
como faria para ter o apoio, e votos dos membros daquela Igreja. Assustado com
a pergunta, o homem disse que não era um mercador, que o máximo que faria,
quando assim era abençoado, era indicar as pessoas algum amigo que ajudava a
obra de caridade que ele fazia naquela comunidade. Registre-se que ninguém
nunca viu uma pá de terra para ajudar um miserável que precisasse.
-
Mas Pastor, o Sr. sabe que eu sou dessa área. Desde que minha mãe veio morar
aqui, eu nunca mais saí. Conheço todo mundo, inclusive todos aqui. Nunca deixei
que mexessem com vocês, e agora que estou precisando, não recebo o mesmo apoio?
-
Meu filho, você sabe que nós aqui somos unidos. Basta um pedido do Pastor que
todos aqui seguem. Mas para isto, o trabalho precisa ter uma ajuda.
-
E quanto é isso?
-
Você sabe...
-
Pastor, deixa de enrolar e me diz quanto vai custar esse apoio? Mas eu quero
que o Sr. peça os votos de todos os irmãos da Igreja para mim.
-
Um pelo outro a R$ 100,00.
-
Oxente! Socorro lá do cabaré me disse que o Sr. tá pagando a ela R$ 50,00. Que
negócio caro é esse agora?
-
Meu filho, aqui o povo é consagrado, e lá é um povo perdido.
Feito
o acordo. No mesmo dia o Pastor levou Júlio para dentro da Igreja e o
apresentou a todos. Prestigiado, o candidato viu o culto religioso ser
interrompido no meio para que ele fosse apresentado a todos, que levantavam as
mãos e diziam “amém”, a toda vez que ouvia um pedido de votos.
Júlio
saiu de lá certo que agora os votos apareceriam nas urnas. Só a Igreja do Beco
tinha para mais de 500 membros, e após ir a mais de cinco cultos e ser
apresentado, ele teve a certeza que a sua eleição viria. Como só precisava de
250 votos para assumir uma das cadeiras, as contas feitas indicavam que daria
tudo certo. Além das cestas básicas que recebeu do prefeito para distribuir,
dos sacos de cimento que alguns amigos apareceram com eles e doaram para
ajudar, Júlio não tinha nenhuma dúvida. Ele seria eleito.
Chegou
o dia da eleição e o povo foi votar. Júlio recebeu exatos 12 votos. Ficando
muito distante do que precisava para conseguir uma cadeira na câmara de
vereadores da cidade.
Aborrecido,
ele partiu em direção a Igreja onde encontrou o Pastor e azoado foi logo
perguntando:
-
Pastor cadê os votos dos irmãos da Igreja que eu comprei?
-
Irmão Júlio, você não é o único a reclamar dessa situação, até mesmo os irmãos
já me reclamaram que não mais aguentavam ver tantos candidatos no altar da
Igreja pedindo votos. Foram tantos esse ano, que na próxima eleição eu não mais
vou querer tantos políticos aqui conosco. Se algum quiser ajudar nas obras, eu
receberei a ajuda, mas os votos dos meus irmãos são sagrados.
- Pastor, se nem os irmãos
estão cumprindo mais com suas palavras, o que esperar de quem vive no mundão de
meu Deus? Perguntou Júlio.
- Já não se fazem mais irmãos
como antigamente Júlio.
- Nem Pastor que preste nessa
Igreja meu senhor.
Júlio conheceu o Pastor que vendia votos, mas não entregava.
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