Deu merda no final do encontro de reconstrução da UBES!



Você já leu “Rumo ao encontro de reconstrução da UBES em Campinas”? Se não leu, aproveita para ler também “A maleta era um saco e o cadeado era um nó”.

Completando as memórias da viagem ao encontro da UBES em 1983 com “Deu merda no final do encontro de reconstrução da UBES”.

Isso mesmo. Foi assim que terminou para a delegação de Paulo Afonso - Bahia, o encontro que se pretendia ser de reconstrução da UBES - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, na cidade de Campinas - São Paulo, naquele abril de 1983.

Eu não sei dizer se as imagens feitas pelo cinegrafista, dentro da escola onde ficamos durante aqueles dias, foram ao ar. É muito provável que não, já que ninguém autorizaria naqueles tempos, publicação de fotografia de uma pessoa com a bunda de fora.


Após aquele quiproquó com a equipe da imprensa, a diretora da escola entrou revoltada com o que soubera ter acontecido dentro da sala. Não a discussão, mas a sujeira deixada por uma pessoa irresponsável. Foi tanto que ela deu um ultimato aos que ainda restavam por lá, queria todos fora até o amanhecer do dia seguinte.

É verdade que ainda hoje nutro repulsa pelo que fizeram, mas, foi depois que os jornalistas passaram por lá que os “paulistas”, então responsáveis por nossa estadia, conseguiram solucionar o problema e nos levaram até São Paulo capital.

Eu lembro ainda hoje da sala da casa onde ficamos. Foi nela que passamos a noite, o bairro era Santa Efigênia. Eu acho. E tinha uma ordem para todos: “Ninguém deveria sair às ruas”. Vivíamos um misto de medo e aventura naquela época. Porém, assim fizemos. À noite, o som dos carros não me deixava dormir. Eu tinha necessidade de conhecer tudo, entretanto, acabei adormecendo durante a madrugada.

No dia seguinte, a surpresa! Conseguiram uma passagem de avião para uma única pessoa. Os outros três teriam que retornar de ônibus até Paulo Afonso. Vocês não têm ideia do que se passou pela minha cabeça. Mas, seria a oportunidade de, além de conhecer São Paulo, eu agora poderia voar. Mas o sonho durou pouco. Zé Ivandro, que é um amigo querido até hoje, foi o escolhido para vir. O cabra começou a se lamuriar porque tinha, segundo ele, sofrido muito na viagem de ida por ser o maior e, já naqueles dias, estar acima do peso. Foi por isso mesmo que conseguiu a passagem em nome dele.

Zé Ivandro se mandou no avião e nós retornamos de buzu. Se antes os olhos foram se acostumando quando deixaram de ver a cor da morte na paisagem do sertão, agora eles começaram a ver o verde sumindo. E foi um choque! Um choque tão grande que me fez chorar antes mesmo de chegar a minha cidade natal, onde moro até hoje.

O encontro da UBES foi muito importante para o meu crescimento como pessoa e como militante político. Contudo, o choque de sair do lugar que era visto como de quinta categoria e chegar ao “primeiro mundo” do Brasil, depois retornar para viver a minha realidade, foi transformador dentro de mim. Eu aprendi que inteligência não se compra na esquina, que lutar por seus objetivos não depende do Outro, que não desistir das lutas só dependia de mim mesmo. E foi assim que a revolta se transformou em certeza de que os nordestinos merecem mais. Merecem ser tratados de igual para igual.

Durante os anos que se passaram, em outros encontros estudantis eu estive. Na minha cidade, no estado da Bahia ou representando-o em outras regiões. Aprendi que a descriminação não acontece só do Sul e Sudeste para conosco. Ela acontece da capital do estado com o interior. E muito mais por quem é do sertão como eu. Eu, meus amigos, amigas e muitos de nós, tivemos que provar isso diariamente, até que hoje nós somos um único povo, mesmo que os outros não queiram assim.

Eu rendo aqui minhas homenagens a UBES enquanto entidade e a todos os seus diretores e diretoras que estiveram e estão na luta por melhores condições para o ensino. Espero que pessoas nordestinas possam ocupar os cargos mais elevados da instituição. E quando estiverem, lembrem que nosso povo merece ser bem representado.

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