No comando da Câmara e do Senado, dois figurões das delações
da Odebrecht. No STF, um colecionador de filiações em siglas do poder.
A primeira semana
de fevereiro foi pródiga em mediocridade e escárnio. Como anunciado, foram
eleitos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente,
Eunício Oliveira e Rodrigo Maia, também conhecidos pelos codinomes de ‘Índio’ e
‘Botafogo’ nas listagens de beneficiários de doações ilegais da Odebrecht.
Michel Temer, desinibindo-se e decidido a também não mais disfarçar, cria mais
um ministério para instalar Moreira Franco, seu colega de trupe e truz, e assim
assegurar-lhe foro privilegiado em provável processo da Lava Jato.
O novo
secretário-geral da Presidência, citado 34 vezes em uma única delação, é
conhecido, nas listagens de suborno, como ‘Angorá’, que nos remete a um curioso
remoque de Leonel Brizola. O coroamento desse festival de absurdos é a
indicação do truculento ex-chefe de polícia de Geraldo Alckmin para a Suprema
Corte. Gilmar Mendes, aquele que não disfarça seu partidarismo, aguarda-o para
um dueto.
Quem será o
substituto de Teori Zavaschi, o discreto? Vejamos.
A grande imprensa
reproduzindo releases oficiais apresenta Alexandre Moraes como jurista, mas é
jurista menor, sem prestígio entre os colegas, autor de livros não lidos e não
citados, mais conhecidos como literatura para cursinhos de vestibulares.
Advogado de banca modesta, seu mais notável cliente é o ex-deputado Eduardo
Cunha, hoje na cadeia. No portfólio cabe o registro de uma cooperativa de
transportes investigada por ligações com o PCC.
Fez carreira
profissional fora da advocacia, no serviço público, em cargos comissionados nos
vários governos tucanos paulistas, até alçar-se à chefia de polícia de São
Paulo e daí, por seus defeitos (notadamente o gosto pelo espancamento), ser
catapultado para o Ministério da Justiça – onde teve passagem desastrada – e,
afinal, o Supremo Tribunal Federal. Sua vida acadêmica não é menos deslustrada.
Foi reprovado no exame para a livre-docência e preterido no concurso que
aprovou Ricardo Lewandowski.
Mas o senhor Moraes
(apelidado de ‘jardineiro paraguaio’, por um vídeo que fez circular na
internet, em que desbasta plantações de maconha no país vizinho, com
involuntária jocosidade) não foi indicado pela formação técnica, que não
ostenta, nem pela discrição, que não é seu apanágio. Foi escolhido por sua
militância político-partidária e pela fidelidade (valor cultivado como
dogma por determinados grupos sociais) a companheiros e eventuais chefes que
dele fazem um homem de confiança.
Prevenido, o
multicitado Temer vai arrumando as peças necessárias para enfrentar o ainda
desconhecido, pelo menos do grande público, conteúdo das delações da Odebrecht,
mantidas sob injustificado sigilo pelo STF.
Conservador, do
ponto de vista político-ideológico, o futuro sucessor de Teori Zavaschi é um
colecionador de filiações em siglas do poder: começou no PFL, ex-ARENA e hoje
DEM, passou para o PMDB, e agora está no PSDB de Alckmin, flertando com José
Serra e Aécio Neves, adversários in pectoris do
governador. Afinal terá sua indicação aprovada pelo Senado, asseguram-lhe o
presidente Eunício Oliveira e os líderes Romero Jucá (do Governo) e Renan
Calheiros (do PMDB), ambos alvos de delações, acusações e inquéritos no
Supremo.
Estes mesmos
senhores serão julgados por Alexandre Moraes, que, antes, será sabatinado na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, presidido pelo senador
Edison Lobão (PMDB), outro frequentador das listagens de suborno e à mercê de
responder a processo no STF.
Ministro mais novo
na casa, será o revisor dos processos da Lava Jato no pleno da Corte, e assim
atuará, desenvolto, em julgamentos envolvendo o presidente da República que o
indicou (Temer, lembremos, é referido em delações da inesgotável Odebrecht) e
de colegas do governo de que participou exercendo cargo de confiança.
Decerto Moraes não
irá declarar-se impedido. A facção chefiada por Michel Temer inclui, entre
personagens menos cotados, e ameaçados de julgamento, Sérgio Machado, o
delator-mor, os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, reincidentes, e o
ex-presidente José Sarney, isto é, a fina-flor do PMDB governante, denunciados
recentemente pelo Procurador-Geral da República pela tentativa de obstruir a
Lava Jato. Do julgamento de todos eles participará, sem reserva ética, novo
ministro.
Dizem os jornais
que na costura da escolha de Alexandre Moraes esteve o ministro Gilmar Mendes,
sempre ele, em conciliábulos entre o Jaburu e o Planalto. Desse ministro
pode-se dizer que lhe sobra a cultura jurídica que falta a Alexandre Moraes,
mas isso não o impede de ser um mau juiz. Sobram-lhe o partidarismo, o envolvimento
político, as decisões que agridem a ordem jurídica, o boquirrotismo fora dos
autos, a promiscuidade com o Poder, as antecipações de voto,as agressões a
colegas, as liminares políticas, os pedidos de vista capciosos, as
infrações ao Código de Ética da Magistratura.
Sem despojar-se da
toga, e por isso mesmo manchando-a, Gilmar Mendes se transformou em uma espécie
de condestável da República e bruxo-conselheiro do presidente da República, que
julgará ainda neste ano. Presidente do TSE, Mendes, como se sabe, presidirá o
julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer, que poderá levar à
cassação do mandato do atual presidente. Foram interpostos no Senado dois
pedidos de impeachment de Mendes, ambos indeferidos pelo senador Renan
Calheiros, que deverá ser julgado no STF pelo beneficiado.
Tudo, portanto, sob
rigoroso controle no regime de exceção. Exceção legal, exceção ética. Esse
quadro de degradação republicana deve, no mínimo, provocar uma reflexão
profunda sobre os critérios de escolha e nomeação de ministros da Suprema
Corte, apartando-os da herança do direito norte-americano do século XIX, e a
primeira reforma haverá de ser o fim da vitaliciedade antirrepublicana,
substituída por mandatos de dez anos, não renováveis, de par com o fim do foro
privilegiado.
Esse debate deve
compreender o papel do Conselho Nacional de Justiça e maior democratização e
transparência do hoje imperial Poder Judiciário brasileiro. Não pode estar
ausente o Conselho Federal da OAB e o silente Instituto dos Advogados
Brasileiros, mas deve ser uma plataforma das forças progressistas e
democráticas do País.
A reforma do Poder
Judiciário como um todo consiste, portanto, em tarefa a ser tomada a peito
pelas esquerdas como ponto de partida para a revisão de seu próprio projeto
político. É preciso, urgentemente, transitar do ‘Fora Temer’ para a
construção de um programa alternativo ao neoliberal, autoritário, classista,
reacionário que ora se consolida. O Brasil do futuro, se futuro houver, não nos
perdoará a omissão, nem tampouco a acomodação.
Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.
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