QUANDO A MÚSICA ACABOU

Antigamente, as músicas me diziam coisas. Não gritavam no meu ouvido, não me empurravam um refrão goela abaixo. Elas chegavam devagar, como quem bate na porta com respeito. Entravam, puxavam uma cadeira e conversavam comigo. Às vezes falavam de amor, outras vezes de dor, outras só me olhavam em silêncio  e aquilo já bastava. Hoje, não sei. Tenho a sensação de que a música, aquela que morava no coração das palavras, foi embora. Fugiu, se picou. Talvez tenha se cansado de ser trocada por rimas fáceis e danças coreografadas em câmera lenta.

Vejo os videoclipes com mansões alugadas por hora, garrafas de uísque e mulheres que parecem moldadas pela mesma fábrica de ilusões. Às letras? Repetem sempre as mesmas três dores e os mesmos quatro vícios: bebida, chifre, carrão e fazenda. É um distúrbio emocional onde ninguém ama de verdade, só se afoga em ressaca e ego.

Não estou dizendo que toda música nova é ruim. O novo é necessário. Mas o raso cansa. A gente também precisa de profundidade pra respirar, como quem mergulha lá no fundo e precisa voltar à superfície.

Às vezes penso nos compositores de hoje como operários em uma linha de montagem. Produzem hits como quem monta peças de plástico: rápidos, descartáveis, todos com a mesma fórmula. Falta alma, falta verdade, falta beleza. Sinto saudade de quando a música me fazia pensar. De quando uma frase bem escrita me derrubava como um soco no estômago. De quando o silêncio entre dois acordes dizia mais do que um refrão repetido mil vezes.

Talvez ainda existam canções assim. Escondidas em algum canto da internet. Tímidas, esperando por ouvidos desocupados e dispostos. Talvez a música não tenha acabado. Talvez ela só esteja descansando pra voltar mais viva.

Por: Jorge Papapá.

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