Tá na internet: Olhos firmes para este Sol, para esta escuridão


Alvim saiu, mas Goebbels continua lá dentro

“A arte alemã da próxima década será heroica, (...) será nacional (...) e igualmente imperativa (...) ou então não será nada". – Joseph Goebbels, ideólogo e ministro da propaganda nazista de Hitler.
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional (...) será igualmente imperativa (...) ou então não será nada”. Roberto Alvim, Secretário Especial da Cultura do Governo Bolsonaro.


Ninguém chegaria a esse plágio se não fosse de forma consciente. O pronunciamento do secretário não foi de improviso. Ele foi devidamente pensado, planejado, escrito e editado com muito profissionalismo. Trata-se de uma clara retórica nazista. E mesmo que não tivesse a explícita referência textual, o vídeo por si só revelaria o sentido do pronunciamento, considerando apenas os elementos tão bem-postos no enquadramento. Os símbolos estão todos ali: a ópera, a cruz, a entonação, o olhar e a foto satânica ao fundo, inspirados nitidamente em uma imagem de Goebbels, o ministro nazista que promovia a queima de livros em praça pública.

Na verdade, Alvim estava querendo impressionar – num discurso exacerbado – o pensamento de seu chefe. Queria cair em suas graças e imaginava que depois de seu pronunciamento que se propunha ser "uma virada histórica”, sairia fortalecido, com mais afinidade ideológica e “envolvimento emocional” com o chefe. Tinha tudo para ser um sucesso. A foto do dito-cujo ao fundo estava lá, ornamentando a grande cena.

O chefe já tinha vibrado com a qualidade propagandística do vídeo e ambos celebrados com a firmeza na voz e nos gestos do secretário. Coisa de profissional. Imaginavam até a repercussão estrondosa entre seus sabujos nas redes sociais, mas o tiro (sempre um tiro) saiu pela culatra.
O Chefe tentou resistir às pressões, aí vieram as manifestações dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e das instituições judaicas no Brasil o que o fez demitir a muito contragosto o Alvim. Mas o chefe não demitiu seu pensamento. Noutras palavras, Roberto Alvim saiu, mas Joseph Goebbels continua lá dentro da Secretaria Especial de Cultura do Governo Federal ditando um pensamento de política cultural, entoado milimetricamente na fala do secretário: “A cultura é base da pátria. (...) E é por isso que queremos uma cultura dinâmica e, ao mesmo tempo, enraizada na nobreza de nossos mitos fundantes: a pátria, a família, a coragem do povo e sua profunda ligação com Deus, amparam nossas ações na criação de políticas públicas”.

Encontramos aqui o mote e percepção dessa política pública de cultura: pátria, família e religião como as dimensões estratégicas para a “luta contra o mal” através de um “novo desenho” que almeja uma “nova Arte nacional” com artistas “dotados de sensibilidade e formação intelectual” com “poderosas formas estéticas” que impulsionarão “uma nova e pujante civilização brasileira”, demarcando um “marco histórico” para uma “perpetuação ao longo dos próximos anos que irá redefinir a qualidade da produção cultural em nosso país”. E nas palavras do secretário, “2020 será o ano de uma virada histórica; 2020 será o ano do renascimento da Arte e da cultura no Brasil” para a perpetuação dessa política.

Não podemos brincar com esse tipo de discurso. Ele é real e não se acaba com a saída do secretário. Como afirmei antes: Alvim saiu, mas Goebbels continua lá porque traduz o pensamento central do seu chefe. A live do presidente no dia anterior (16/01) respaldava de forma jocosa esse pensamento fascista e, agora, escancaradamente nazista.

Portanto, se não podemos brincar, tampouco podemos subestimar essa realidade. Os parcos R$ 20,0 milhões para um edital de fomento às artes de caráter nacionalista, patriótico, com “profunda ligação com Deus” e voltada para o renascimento da arte e da cultura no Brasil, continua lá, pairando e chocando o ovo da serpente, pronto para ser lançado a qualquer momento.

Este edital pode ser mais nefasto do que o próprio discurso porque ele será uma ferramenta prática para mapear e fomentar uma “alta cultura” contra uma “baixa cultura”. Pode ser um instrumento político da chamada “guerra contra o marxismo cultural” tão falada pelos olavistas que ocuparam todos os órgãos e vinculadas do extinto MinC. Daí, o combate pragmático a esse tipo de instrumentalização.

Dentre os vários perigos dessa política expressos nesse edital tem um extremamente danoso: o estado está querendo “fazer cultura”, exatamente o oposto do que defendeu Gilberto Gil em seu discurso de posse como Ministro da Cultura em janeiro de 2003: “Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, criar condições de acesso universal aos bens simbólicos. Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, proporcionar condições necessárias para a criação e a produção de bens culturais, sejam eles artefatos ou mentefatos. Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, promover o desenvolvimento cultural geral da sociedade. Porque o acesso à cultura é um direito básico de cidadania”. E diz mais: “Na verdade, o Estado nunca esteve à altura do fazer de nosso povo, nos mais variados ramos da grande árvore da criação simbólica brasileira”.

Sendo assim, uma política pública de cultura democrática consiste em criar condições de acesso e proporcionar meios para a criação e produção dos bens culturais, partindo do reconhecimento da diversidade e dos saberes e fazeres artísticos e culturais. Portanto, qualquer edital de fomento às artes – em qualquer nível dos entes da federação – não pode ser lançado com nenhum tipo de dirigismo ou filtro para “rever a história do Brasil” como propôs o chefe do secretário na referida live presidencial, revelada pela Folhapress. Não podemos esquecer que um edital de fomento às artes deve ser sempre voltado para promover a diversidade cultural fundada na livre expressão da criação artística, intelectual, do pensamento e da inventividade do povo brasileiro.

Por isso que o assunto não se encerra com a queda do nazista secretário especial da cultura do governo federal. Como na canção – de novo e outra vez – “é preciso estar atento e forte (...) e ter os olhos firmes para este sol, para esta escuridão”, tal como em 1968, ano em que Caetano e Gil compuseram “Divino, Maravilhoso”.

Por: Fabiano dos Santos Piúba - Secretário de Cultura do Estado do Ceará.

Tá na internet.

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