A 48 HORAS DE UMA FARSA (Por Francisco Costa)


Tenho um ídolo, desde a adolescência, quando, através da coleção “Os Pensadores”, da Abril Cultural, tomei contato com a Filosofia, logo me apaixonando pelos gregos, alicerces da cultura ocidental.

Entre os gregos, um em especial provocou aquele click em mim, como se dissesse “é isso”, o resto é bananada com farofa.

Estou falando de Sócrates que, como Jesus, não nos deixou nenhum escrito. Tudo o que sabemos a respeito do que pensava e falou nos chegou por via indireta, principalmente através dos seus discípulos Platão e Xenofonte.

Fui tão socrático na juventude que no ensino médio uma professora brincava comigo, afirmando que eu era a reencarnação do filósofo, mas isso antes do funk, do MBL, pagode, coxinhas e tudo o mais que elevou a educação brasileira a patamares nunca dantes vistos, o que podemos perceber nas redes sociais, a universidade contemporânea, pelos padrões de Platão.

Sócrates era de família muito humilde, filho de um escultor em mármore (na época não considerado artista, mas operário) e de uma parteira.

Foi o criador da Maiêutica, um ramo muito interessante da Filosofia, ao acompanhar a mãe num trabalho de parto (em grego, maiêutica = parteira).

Pensou ele: “minha mãe não é a mãe do bebê que nasceu, nem o bebê, mas sem ela o bebê morreria, e talvez a mãe também. Mamãe entra na história, permite e vinda do bebê ao mundo e sai, deixando que o bebê siga o seu rumo, tenha a sua vida. Este é o trabalho do educador, permitir o parto de idéias novas. Ao educador cabe não impor o que sabe, mas usar o que sabe para provocar as pessoas ao questionamento dos seus próprios saberes, de maneira a se permitirem a idéias novas.”

O compositor Belchior enunciou a Maiêutica, em relação ao sofismo, e o cristianismo, em relação ao judaísmo, de uma maneira muito poética, em uma de suas músicas: “o passado é uma roupa que não nos cabe mais”.

Outro maiêutico era o macaquinho Sócrates, do programa humorístico da Globo, Planeta dos Homens, quando ainda havia inteligência lá: “não precisa explicar, eu só queria entender”.
Este é o princípio da Maiêutica. Coincidência ou não, alguns anos depois entrei em sala de aulas e nunca mais saí, inconscientemente usando a Maiêutica, por oposição ao sofismo, praga que hoje grassa entre nós. 

Os sofistas eram elitistas, acreditando que o saber só deveria ser passado aos nobres, aos de bundas cheirosas, que hoje chamamos de burgueses, com a plebe acomodada e feliz em sua santa burrice, repetindo a classe dominante, por absorção de migalhas do saber. 

Aos da casa grande os livros, aos das senzalas, os chicotes e conselhos, milimetricamente dosados.
Sócrates dava as suas aulas em praça pública, a quem quisesse, sem cobrar nada (não havia Facebook), e por isso era criticado, ao contrário dos sofistas, que davam aulas em ambientes fechados e cobrando caro.

Sócrates acreditava que ensinar era missão e não profissão, fazendo isso onde quer que estivesse, e de graça.

Embora em suas citações e orações Sócrates usasse a palavra deuses, no plural, por precaução (os gregos eram pagãos e politeístas radicais), foi um precursor do monoteísmo, influenciando o judaísmo e, por consequência histórica, os cristãos e muçulmanos. Valorizava os cultos, maternidade de idéias novas, e pregava a ética nas religiões, apartando-as do dinheiro, mercadoria mundana, tendo um oráculo em casa, já que acreditava não haver intermediação entre o homem e Deus, um deus ecumênico, de todos os homens.

Por tudo isso juntaram-se contra ele os mercenários do comércio (a burguesia da época), os fundamentalistas religiosos (pagãos e politeístas), os sofistas (intelectuais remunerados, a serviço do sistema grego), e a massa ignara, insuflada por mercenários, fundamentalistas religiosos e sofistas, e Sócrates foi condenado à morte, por ingestão de cicuta, um poderoso veneno, acusado de corromper a juventude (400 anos depois, em situação semelhante, incitada pela “burguesia” judaica, os fundamentalistas religiosos (Sinédrio) e os intelectuais cooptados pelo Império Romano, a mesma ignara massa gritou Barrabás, Barrabás, Barrabás... E aí não foi cicuta, mas a cruz, em vã tentativa de acabar com um perigoso revolucionário que corrompeu antigas idéias).
A ele foi oferecida a vida, em troca de renegar os seus ensinamentos, aderindo ao sistema, o que ele negou (Jesus fez exatamente a mesma coisa).

Depois foi-lhe oferecida a fuga, que ele também não aceitou.

Para as duas ofertas, com o filósofo já contando oitenta anos, a sua resposta foi, coerente com a Maiêutica, que não conseguiria viver só do que já sabia, e se o preço de não aceitar isso era a morte, ele preferia aprender uma coisa nova, o que é morrer.

Guardando-se as devidas proporções, claro, lembro Lula, às portas de um tribunal de exceção, como os de Sócrates e Jesus (não estou comparando Lula com Sócrates e Jesus, coxada intelectualmente míope, mas as situações).

Lula também poderia aderir ao sistema, preservando-se, ou buscar o asilo político, já que o mundo todo o tem como perseguido, mas ficou e ficará.

É provável que o único Sócrates de que Lula tenha ouvido falar foi o seu amigo, jogador do Corinthians. É provável que ouvindo a palavra Maiêutica pense ser referência a uma mulher que não foi apresentada a ele, mas, apesar disso, ou talvez por causa disso, foi capaz de fazer o brasileiro pensar coisas novas, perceber que há caminhos novos e diferentes, ao alcance, maieuticamente.

Por isso essa união entre a burguesia endinheirada, o fundamentalismo religioso e o intelectualismo de aluguel insuflando a massa, para que grite Moro, Moro, Moro...

Um dia, gritaram Barrabás, Barrabás, Barrabás... Sem saber que estavam gritando Império Romano, Império Romano, Império Romano... E pagaram caro por isso.

Hoje gritam Moro, Moro, Moro... Sem saber que estão gritando Império norte-americano, Império norte-americano, Império norte-americano... 

Sem saber que Sócrates e Jesus ficaram, como possibilidades novas, enquanto os que pediram cicuta e cruz sumiram, descarregados nos esgotos da História.

Por Francisco Costa.

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