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“Ataca-se o programa nuclear, vital para a segurança do pré-sal, o programa espacial, a Embraer”, diz Roberto Amaral. |
O objetivo é desfazer os projetos estratégicos nas áreas
de energia e segurança, acusa o ex-ministro.
Cientista político, ex-ministro
de Ciência e Tecnologia do governo Lula e colunista de CartaCapital, Roberto Amaral faz um alerta:
há uma conspiração antinacional de desmonte de nossos projetos estratégicos,
principalmente nas áreas de energia e segurança, exposta à luz do dia. Na
entrevista a seguir, o autor de A Serpente sem Casca – Da Crise à
Frente Brasil Popular detalha a escalada tenebrosa contra o
Brasil.
CartaCapital: Em que pé está o programa
nuclear brasileiro e que aspectos contrariam os interesses das nações
hegemônicas?
Roberto Amaral: O governo Temer é socialmente
regressivo e, do ponto de vista político-estratégico, antinacional. Cuidará de
remover todos os projetos de desenvolvimento autônomo de nosso País, a começar
pela desconstituição de nossa política de defesa, fundada nos programas
nuclear, espacial e cibernético, segundo a Estratégia Nacional de Defesa de
2008.
O Brasil possui uma das maiores
reservas de urânio do mundo e é um dos poucos detentores da tecnologia do seu
enriquecimento. Em Resende (RJ), com tecnologia nossa, que muito devemos à
dedicação da Marinha de Guerra do Brasil, são criadas e fabricadas as mais
modernas ultracentrífugas do mundo. Nossa produção de urânio enriquecido é
fundamental para manter em funcionamento Angra I, Angra II e a futura
Angra III, cuja construção está parada. É vital também para o futuro e sempre
adiado programa de construção de novas usinas.
Os Estados Unidos e seus
aliados no monopólio nuclear, a antiga União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas inclusive, tudo fizeram para que não dominássemos essa tecnologia.
Dominada, querem impedir que dela nos utilizemos para nosso progresso. O Brasil
tem o projeto de equipar-se com submarinos nucleares, um já está em construção,
em Itaguaí, no Rio de Janeiro, em consórcio com a França. Como manter esse
programa, vital para nossa segurança, especialmente para a segurança do
pré-sal, se não tivermos o combustível nuclear? A conspiração antinacional
de desmonte de nossos projetos estratégicos, principalmente nas áreas de
energia e segurança, está exposta à luz do dia. Vejamos.
CC: Por que o programa
nuclear é estratégico?
RA: Porque com a conclusão de Angra
3, o Brasil, que domina a tecnologia de produção do combustível, passará a
produzi-lo em escala industrial, privilégio até hoje dos países que têm a bomba
atômica, e com eles competirá no mercado mundial. Exatamente por isso é
fundamental para eles retardarem a conclusão de Angra 3, e para tanto
utilizam o mesmo argumento que levou Angra 2 a ser concluída com atraso de 20
anos: o combate à corrupção.
Desta vez, procura-se enlamear
a reputação do principal cientista do programa nuclear brasileiro, o
almirante Othon (Luiz Pinheiro da Silva), que era o presidente
da Eletronuclear, proprietária das usinas. Por conta desse ataque, as
obras são paralisadas e não há previsão de recomeço, impondo insuperável
prejuízo técnico e financeiro. Quem pagará por isso? O Ministério Público, o
Tribunal de Contas ou o juiz Moro vão cobrar de alguém? O programa de
construção do submarino de propulsão nuclear foi praticamente desativado, assim
como o programa espacial.
CC: O programa
aeroespacial é importante para o Brasil por quais motivos?
RA: O programa espacial tem como
principal protagonista a Embraer, hoje a terceira produtora de aviões
comerciais no mercado mundial. Para fragilizá-la, surgem denúncias de corrupção
em vendas internacionais, que dão origem a processos milionários na Justiça norte-americana,
com a omissão conivente do governo Temer.
O programa
espacial próprio foi desativado e já se fala em rediscutir a cessão aos
EUA da base de lançamento de foguetes de Alcântara, cuja ótima localização,
próxima ao Equador, só é rivalizada por Kourou, na Guiana Francesa.
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Sem o combustível produzido na INB, em Resende, compromete-se o programa dos submarinos nucleares (Michel Filho/Ag. O Globo). |
Caso se concretize, afastará o
Brasil do lucrativo mercado de lançamento de satélites comerciais e deixará o
lançamento e operação de nossos satélites estratégicos e militares, como os de
comunicação e de rastreamento de nosso território para acompanhamento de
safras, acidentes meteorológicos e riquezas do subsolo, entre outros, nas mãos
de americanos, russos e chineses.
CC: Há quem considere a defesa do
petróleo como anacrônica, dada a possibilidade de substituí-lo por outras
fontes de energia.
RA: O petróleo
continuará por muitas décadas fonte essencial para a produção de energia no
mundo. A descoberta do pré-sal, a mais importante do planeta nos últimos
30 anos, além de propiciar nossa independência em termos de energia, nos
colocaria no patamar dos produtores do Oriente Médio e a Rússia.
A transformação da Petrobras,
âncora do desenvolvimento industrial brasileiro, em mera produtora de óleo
bruto, complementada pela entrega do pré-sal às petroleiras privadas
estrangeiras, significará 70 anos de retrocesso em nossa política industrial.
CC: Se acrescentarmos o impacto da
Lava Jato na controladora da Odebrecht Defesa e Tecnologia, coordenadora do
projeto de submarino nuclear, quais as probabilidades de sobrevivência deste?
RA: É importante esclarecer
que a coordenação do programa de construção de submarinos não é da Odebrecht, e
sim da Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com
Propulsão Nuclear, organização da Marinha criada com esta
finalidade. Nesse programa, a Nuclep, empresa estatal, é a responsável
pela fabricação dos cascos resistentes dos submarinos e de componentes da
planta de propulsão do submarino nuclear.
A Odebrecht participa como
integrante da Itaguaí Construções Navais, que é uma Sociedade de Propósito
Específico formada também pelo estaleiro francês DCNS e pela Marinha do Brasil,
esta com poder de veto (golden share). A ICN está encarregada da
montagem, conclusão da fabricação e entrega dos submarinos à Marinha.
Com tantos parceiros estratégicos
envolvidos, há motivos para acreditar na sua continuidade, sem
interrupções, do ponto de vista técnico, mas isso de nada valerá se a decisão
política do governo for pela sua desativação. Desse governo nada se pode
esperar em sã consciência.
CC: Como o senhor analisa as
alegações de que, por não existir ameaça imediata ao País, não haveria problema
em reduzir ou mesmo cortar o projeto do submarino nuclear?
RA: Uma de duas: ou estúpida
ignorância, ou má-fé militante. Até o reino mineral sabe que a moderna política
de defesa se chama dissuasão. Trocando em miúdos, quem quer se defender
precisa se preparar para a guerra com o objetivo de evitá-la, advertindo o
eventual inimigo de que suas perdas não compensariam os ganhos. Assim, evitando
o ataque.
CC: Haveria um sentido comum
nos ataques concomitantes ao pré-sal, por meio da venda de campos de
Carcará pela nova presidência da Petrobras, e ao dispositivo de defesa com
submarinos nucleares, por meio do aniquilamento da Odebrecht e outras
empreiteiras da cadeia produtiva de óleo e gás?
RA: Sim, evidentemente que sim, e
demonstrar esse elo foi o que tentei nas respostas anteriores.
*Entrevista publicada originalmente na edição 924 de Carta Capital,
com o título “Conspiração à luz do dia”.
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