DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE VOTO. (Luiz Eduardo Costa - Jornalista)

No primeiro turno fiz uma declaração de voto publicada nestas páginas no dia da eleição. Era a minha opção por Jackson e os motivos que me levavam a adotá-la. Agora, faço esta nova declaração, todavia, com antecipação de oito dias.
Vamos aos motivos do voto.
Em 1955 concluindo o curso ginasial no Atheneu fui, motivado por meu pai, Paulo Costa, assistir uma palestra que o governador de Minas Gerais Juscelino Kubitscheck fazia no recém inaugurado auditório anexo ao colégio. Ele queria ser candidato a presidente e precisava conquistar, primeiro, o apoio dos partidos políticos, principalmente o seu, o PSD. Saí fascinado com aquele político que desenhava o seu projeto para transformar o Brasil, país naquela época com cerca de 50 milhões de habitantes, despovoado na maioria da sua extensão, sem estradas, quase sem indústria, dependendo das exportações do café para equilibrar a deficitária balança de pagamentos. A esse Brasil rural, Juscelino prometia uma revolução: Iria fazê-lo crescer 50 anos em 5, o período naquele tempo do mandato presidencial. E ele detalhava com entusiasmo e clareza tudo o que deveria ser feito.
No dia da eleição, aos 14 anos, sem poder votar, sai fazendo boca de urna, um tanto desajeitado a pedir votos para aquele mineiro. Juscelino foi eleito com pouco mais de um terço dos votos computados. Isso foi o pretexto para que golpistas civis e militares se insurgissem contra o resultado do pleito, alegando que não estava representada a maioria da nação, e o vencedor não teria legitimidade. Mas as regras eram aquelas, não havia segundo turno, Juscelino estava inquestionavelmente eleito.  Carlos Lacerda, o mais estrídulo líder do golpismo, dissera: ¨Juscelino não pode ser candidato, se candidato não pode ser eleito, se eleito não poderá tomar posse, se empossado terá de ser deposto¨.
De fato, para que JK fosse empossado foi preciso um providencial general legalista, Teixeira Lott, colocando os tanques na rua para garantir a posse do eleito. Foi, pelo que se sabe, o único golpe ¨constitucionalista¨ ocorrido no Brasil.
Durante o governo, Juscelino teria de enfrentar duas mazorcas promovidas por oficiais da Aeronáutica que se definiam como patriotas e idealistas indignados com a corrupção.
JK, ao som da bossa-nova, ao cabo de cinco anos retirou o Brasil do marasmo e criou a mística do desenvolvimentismo.
 O candidato à sua sucessão foi o general que lhe dera suporte militar para que pudesse iniciar e concluir o seu criativo e transformador mandato, seu Ministro da Guerra Henrique Duffles Batista Teixeira Lott, um oficial que insistia em manter a caserna longe da política partidária e que aceitou quase constrangido a candidatura. Era um homem moralmente inatacável. Seu opositor foi Jânio da Silva Quadros, político histriônico, excelente orador, que ganhara a fama de bom administrador e de inimigo da corrupção. Contra Juscelino, sem poderem desfazer a sua excepcional obra administrativa, lhe puseram a pecha de corrupto.  Os que haviam denunciado o ¨mar de lama¨   no Palácio do Catete e levaram Getúlio Vargas ao suicídio, depois de temporariamente derrotados, reorganizaram-se, e logo transformaram Jânio no cavaleiro andante da cruzada moralista que ganhou espaço na grande imprensa. Jornais como O Globo, e o Estado de S. Paulo, ajudavam a aumentar a histeria moralisteira, enquanto Jânio exibia uma vassoura que se transformou em símbolo da sua campanha, e surgiu a musiquinha entoada em todo o país:
                              Varre varre vassourinha
                              Varre varre a bandalheira
                              O povo está cansado, de sofrer dessa maneira
                              Jânio Quadros é a esperança de um povo abandonado.
                              Jânio Quadros é a certeza de um país moralizado.
Jânio eleito presidente continuou afundado nas garrafas de uísque, e renunciou sete meses depois denunciando a pressão de forças ocultas. O Brasil escapou de uma guerra civil quase desencadeada pela irresponsabilidade do moralista homem da vassoura.  Trinta anos depois, quando Jânio faleceu, numa disputa  dos herdeiros pelo espólio, revelou-se que ele tinha uma vistosa conta secreta na Suíça.
Uma observação: O jornal O Globo criou em 1960 a expressão O Homem da Vassoura, para associá-la à idéia de limpeza moral que faria Jânio, mais recentemente, a Rede Globo transformava Collor no ¨caçador de marajás¨.
Outra observação: Juscelino morreu sem deixar grande patrimônio e o seu mais acérrimo critico, Carlos Lacerda, sobre ele escreveu um artigo que lhe valeria como o mais justo dos epitáfios.
A história se repete, e agora assistimos a uma nova cruzada moralista liderada por um jovem e trêfego candidato,  que recebe na sua campanha o suporte ostensivo da grande mídia, da qual fazem parte, entre outros inúmeros veículos, o maior império de chantagem já montado no Brasil: a Rede Globo  dos bilionários irmãos Marinho; o Estadão, trincheira decadente da soberba quatrocentona da família Mesquita; da Veja, braço da máfia e de todos os interesses escusos e antibrasileiros; somando-se agora ao palanque midiático a publicação inglesa The Economist,   que exalta as virtudes de Aécio, hoje o menino de ouro  do cassino financeiro globalizado, com os tentáculos prontos para agirem com mais liberdade no Brasil.
A idade que tenho permitiu-me transitar como espectador minimamente atento aos episódios  da política brasileira, desde a libido insaciada das mulheres com terços nas mãos a pedir a vitória do Brigadeiro Eduardo Gomes, um extremado moralista, depois, as mesmas mulheres ainda talvez mal amadas, que ouviam Carlos Lacerda em êxtase quase orgástico quando ele denunciava corruptos, em seguida, homens e mulheres retirando anéis , pulseiras e colares para doá-los, respondendo ao apelo da campanha Ouro para o Bem do Brasil, quando civis e militares, também ¨moralistas ¨,  deram o golpe de 64, e era preciso criar a idéia de que o Bem do Brasil chegaria impulsionado pelas baionetas.
O moralismo salvacionista percorreu, sem nenhum sucesso, todas as etapas da história política brasileira, e por fim, a farsa sempre acabou sendo revelada.  Assistí  todas as manifestações desses espasmos moralistas, para ter ,quando eles reincidem como agora, uma visão que não chega a ser cínica, mas é de absoluto desprezo aos moralizadores de ocasião.
Se o candidato Aécio resolvesse espanar o pó, o pó dos arquivos do seu avô Tancredo Neves, iria constatar que o experiente mestre da grande política, jamais se deixou envolver por essas cruzadas de moralismo, mas, sempre se bateu pela democracia, pelas liberdades, pela participação popular, um conjunto de coisas que, quando conquistadas, começam efetivamente a sanear a sociedade, a moralizar o Estado e as suas instituições. Com essas armas combate-se com muito mais eficácia do que esses surtos de moralismo eleitoreiro, delitos assim, como os que foram praticados pela quadrilha da Petrobrás, que está em parte na cadeia, e o resto dela somente tomará o mesmo rumo se   os instrumentos da democracia forem fortalecidos com a participação popular.
A revolução de 30 não conseguiu sepultar a farsa do liberalismo excludente, uma forma de exaltar a liberdade, todavia relativa, acessível aos que possuam, e de manter distantes os despossuídos. O liberalismo brasileiro foi um diversionismo das elites para ocultar as mazelas sociais, a fome, o desamparo do povo. Governos intitulados liberais logo mostram a carantonha fascista quando os limites onde concebem circunscrever o povo são ultrapassados, e ai recorrem ao cacete.  Haja vista ao que acontece em São Paulo.
Então, o moralismo surge como máscara. O que querem mesmo essas elites brasileiras inconformadas com a ascensão do povo que se fez nos governos de Lula e Dilma, é parar esse processo, retirar as massas do cenário e restabelecer a paisagem antiga da democracia para poucos.
Pela continuidade da reforma agrária, pela continuidade do salário mínimo  aumentando, pela  continuidade de programas sociais, como o Bolsa Família,  Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos, Água para Todos; pela continuidade da democratização da universidade, do ensino técnico; pela continuidade da tentativa de adequar o agronegócio aos padrões ecológicos; pela continuidade do processo de ampliação da democracia participativa; pela continuidade do fortalecimento da agricultura familiar;  pela continuidade do Brasil atuando com independência no plano internacional;  pela continuidade  da política melhor avaliada pela ONU de redução da pobreza; pela continuidade de uma marcha ainda tímida e que precisa ser fortalecida, rumo a uma economia livre das interferências desastrosas do mercado ou prostíbulo  financeiro global, com o Estado planejando , sendo indutor da economia e criando um capitalismo socialmente responsável; pela continuidade disso tudo que representa um capítulo importante na luta pela dignidade do povo brasileiro, aos 73 anos não farei mais a boca de urna que  fiz por Juscelino , mas, com a mesma  decisão como votei em Jackson por confiar no que ele representa  e ter consciência plena do que  não representava o outro, vou, domingo próximo, votar em Dilma, pelo que ela representa  e contra a mistificação do outro, mantendo , através do meu já voluntário voto  tudo em que acreditava quando tinha 14,  quando, com  muita esperança, ansiava por votar.

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