Especial: 24 anos da conquista dos Royalties de energia hidrelétrica.


No mês passado uma data significativa para Paulo Afonso e demais municípios e estados brasileiros produtores de energia hidrelétrica passou sem que fosse devidamente comemorada: 24 anos atrás, em 5 de outubro de 1988, foram conquistados os royalties da energia hidrelétrica. Naquela data foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, que, em seu art. 20, § 1º., assegurava aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, indenização pelo resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, conforme transcrito:
Art. 20. São bens da União:
§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
A legislação que regulamentou o Art. 20, § 1º, da Constituição Federal, adotou a fórmula de compensação financeira, em vez da participação nos resultados, ambas previstas pelo dispositivo constitucional. A Compensação Financeira é conhecida genericamente pela denominação de Royalties, embora a legislação tenha atribuído tal denominação apenas àquela devida pela Usina Hidroelétrica Itaipu Binacional ao Brasil. Eles obedecem à mesma sistemática de distribuição dos recursos da Compensação Financeira, contudo, apresentam regulamentação específica quanto ao recolhimento, conforme o Tratado de Itaipu, por ser a usina pertencente ao Brasil e ao Paraguai. Assim, em 28 de dezembro de 1989, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 7.990, instituindo a Compensação Financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios cujas áreas tenham sido ou venham a ser afetadas por reservatórios de aproveitamentos hidrelétricos. Contudo, a forma de distribuir a Compensação Financeira aos Estados e Municípios abrangidos pelos aproveitamentos hidrelétricos não foi definida pela referida Lei, posto que os artigos que versam sobre a matéria foram vetados. Em 09 de fevereiro de 1990, o Presidente da República enviou ao Congresso Nacional a Medida Provisória no 130, publicada no Diário Oficial de 12 de fevereiro de 1990, que definia os percentuais de distribuição da Compensação Financeira, incluindo percentuais para a distribuição dos royalties devidos pela Itaipu Binacional ao Governo Brasileiro. Decorridos 30 (trinta) dias da publicação da Medida Provisória, em 13 de março de 1990, foi sancionada a Lei nº 8.001, que estabeleceu, com algumas alterações, os percentuais de distribuição definitivos. Em 11 de janeiro de 1991, o Presidente da República assinou o Decreto nº 1, que regulamentou as Leis no 7.990, de 28.12.1989, e nº 8.001, de 13.03.1990, e
estabeleceu a metodologia de cálculo para a distribuição dos recursos da Compensação Financeira e dos royalties de Itaipu. A publicação do Decreto no 1 no Diário Oficial da União ocorreu no dia 14 de janeiro de 1991, marcando o início da implantação dos mecanismos de cobrança e distribuição dos recursos referenciados. Ao longo dos últimos anos algumas alterações foram introduzidas, destacando-se as seguintes: A transferência da parcela destinada ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) ao Ministério de Minas e Energia (MME) – Lei nº 9.984, de 17.07.2000 (art. 29); A inclusão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em substituição ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), anteriormente beneficiário, com destinação de pelo menos 30% da cota a projetos desenvolvidos por instituições de pesquisa sediadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, incluindo as áreas das Superintendências Regionais – Lei nº 9.993, de 24/07/2000; Inclusão da parcela de 0,75% destinada ao MMA para aplicação na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGERH. A cobrança de juros de mora e multa por atraso de pagamento da Compensação Financeira pelos concessionários – Lei no 9.993, de 24.07.2000.
O montante recolhido a título de Compensação Financeira corresponde a 6,75% sobre o valor da energia produzida, a ser pago pelos concessionários de serviço de energia elétrica aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em cujos territórios se localizarem instalações destinadas à produção de energia elétrica, ou que tenham áreas invadidas por águas dos respectivos reservatórios, e a órgãos da administração direta da União. O valor total da energia produzida é obtido pelo produto da energia de origem hidráulica efetivamente verificada, medida em MWh, multiplicado pela Tarifa Atualizada de Referência (TAR), fixada pela ANEEL. A TAR é reajustada anualmente pelo IPC-A e a cada quatro anos sofre uma revisão.

Beneficiários
A distribuição mensal da compensação financeira é feita da seguinte forma: 6% (seis por cento) do valor da energia produzida são distribuídos entre os Estados, Municípios e órgãos da administração direta da União, sendo: 45% aos Estados; 45% aos Municípios; 3% ao Ministério do Meio Ambiente; 3% ao Ministério de Minas e Energia; 4% ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) para aplicação na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Em 2012, 177 usinas hidrelétricas recolheram Compensação Financeira. As geradoras caracterizadas como Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) estão isentas do pagamento de Compensação Financeira. O rateio dos recursos da Compensação Financeira entre os municípios obedece a dois critérios: o repasse por ganho de energia por regularização de vazão e o de área inundada por reservatórios de usinas hidrelétricas.
Segundo dados relativos a 2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, 22 Estados (incluindo o Distrito Federal) e 712 Municípios recebem Compensação Financeira e Royalties de Itaipu. Em 2011 foram distribuídos, a título de compensação financeira e royalties de Itaipu, R$ 2.005.970.509,70 (Dois bilhões, cinco milhões, novecentos e setenta mil, quinhentos e nove reais e setenta centavos), cabendo aos Municípios e Estados iguais montantes de R$ 820.896.734,69 (oitocentos e vinte milhões, oitocentos e noventa e seis mil, setecentos e trinta e quatro reais e sessenta e nove centavos), e aos órgãos da União o valor de R$ 364.177.040,32 (Trezentos e sessenta e quatro milhões, cento e setenta e sete mil, quarenta reais e trinta e dois centavos).
Do total de R$ 48.629.272,08 distribuídos aos municípios baianos em 2011, a título de compensação financeira de hidrelétricas, o Município de Paulo Afonso recebeu mais de R$ 21 milhões (o valor exato foi de R$ 21.531.184,01), conforme dados da Aneel, equivalente a 11,33% da receita municipal total do mesmo ano, que foi de R$ 189.945.291,52. Este percentual tem variado ao longo do período entre 10% e 20% da receita total municipal. O Estado da Bahia recebeu em 2011 o valor de R$ 48.629.272,08.
Na nossa região, além de Paulo Afonso, são beneficiados os municípios de Glória, Rodelas, Chorrochó e Abaré, na Bahia, Petrolândia, Jatobá, Tacaratu, Belém do São Francisco, Floresta e Itacuruba, em Pernambuco, Delmiro Gouveia, Piranhas, Olho D’Água do Casado e Pariconha, em Alagoas, e Canindé do São Francisco, em Sergipe. Os dados atualizados podem ser consultados nos relatórios da Compensação Financeira em (http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/cmpf/gerencial/).
Os recursos da compensação financeira e royalties podem ser aplicados em quase todas as despesas municipais, exceto pagamento de dívida e do quadro permanente de pessoal. Por este motivo é utilizado principalmente na realização de obras e serviços de infra-estrutura, tais como pavimentação, construções, praças, energia elétrica, transportes, etc.

A Luta pelos Royalties
Paulo Afonso tem papel de destaque na conquista dos royalties de energia hidrelétrica, já que foi no Município que surgiu a proposta de criação da citada compensação, através do então Prefeito José Ivaldo. Como liderança estudantil, e depois como vereador, ele passou a defender a criação dos royalties da energia hidroelétrica, inspirado nos royalties pagos pela Petrobrás aos municípios e estados produtores de petróleo.
Para ele, esta era a forma de compensar Paulo Afonso e demais municípios afetados por usinas hidrelétricas, que perderam parte de seu território para sediar as barragens e ainda tinham que arcar com enormes despesas para proporcionar infra-estrutura urbana adequada a uma população que crescia velozmente, isso sem dispor de recursos necessários, já que as hidrelétricas não pagavam impostos ou taxas.
Há um fato quase anedótico sobre a verdadeira pregação em defesa dos royalties feita por Zé Ivaldo: em 1983, o novo presidente da Chesf, Sr. Rubem Vaz da Costa, que acabara de assumir a direção da empresa, em visita a Paulo Afonso, resolve se encontrar com os vereadores locais, em evento realizado na “Casa da Diretoria”. Durante a conversa, o então vereador Zé Ivaldo apresenta sua proposta de pagamento de royalties. O presidente, em tom de galhofa, questionou-o, provocando risos na assistência: “Mas, vereador, a Chesf vai pagar royalties a Paulo Afonso
ou à Serra da Canastra, onde nasce o Rio São Francisco?”. Zé Ivaldo respondeu: “É simples, presidente: se der para transferir as usinas para a Serra da Canastra então se paga lá.”
A Assembléia Nacional Constituinte foi eleita em 1986 e instalada em 1987, com a missão primordial de elaborar uma nova constituição para o Brasil. Zé Ivaldo viu aí a chance de instituir o pagamento de royalties de hidrelétricas através de emenda constituinte popular. Para tanto, lançou uma campanha para coletar assinaturas de apoio e tentou sensibilizar os demais prefeitos da região, movimento prejudicado pelo boicote da poderosa Chesf, cujos dirigentes trabalharam contra a proposta.
Receoso de não conseguir coletar a tempo o número de assinaturas necessárias à emenda popular, Zé Ivaldo solicitou ao Deputado Federal baiano Fernando Santana, seu companheiro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que patrocinasse a emenda. O grande prestígio político de Fernando Santana e o bom trânsito entre os diversos partidos de que dispunha facilitaram enormemente a aprovação da emenda. Além disso, Zé Ivaldo conseguiu o apoio do Governador Waldir Pires e de boa parte dos deputados federais e estaduais baianos, bem como de deputados dos estados vizinhos de Pernambuco e Alagoas. Conseguiu sensibilizar ainda alguns prefeitos e deputados de municípios e estados produtores de energia hidroelétrica, a exemplo de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
A partir daí uma conjugação de forças se instalou, juntando estados e municípios que queriam os royalties da energia hidrelétrica, capitaneados por Paulo Afonso e pela Bahia, com os que queriam implantar os royalties da mineração e com aqueles que queriam manter os royalties do petróleo e gás. As propostas todas foram reunidas pela comissão de sistematização em um só dispositivo, que gerou o parágrafo 1º, do art. 20, da nova constituição. Estavam criados os royalties da energia hidrelétrica. Começava um novo tempo para Paulo Afonso.
Além da proposta dos royalties, o prefeito Zé Ivaldo passou a cobrar da Chesf o pagamento de impostos e taxas municipais, tendo a empresa se recusado e iniciado uma disputa judicial que se arrastou por alguns anos. Zé Ivaldo foi também um dos líderes baianos da vitoriosa luta dos prefeitos por uma reforma tributária, desenvolvida naquele período, que assegurou uma maior participação dos municípios no bolo tributário e criou o ICMS, imposto que é hoje a principal receita de Paulo Afonso. Mas essa história fica para depois.
Por ora, em comemoração a este significativo projeto para Paulo Afonso e demais municípios e estados que foram afetados por barragens e usinas hidrelétricas, este site/blog publicará, a partir de hoje, uma série de matérias e entrevistas relativas ao tema.

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